HÁ VAGA PARA LENINE

Lenine (ou Lênin) falando às multidões durante a Revolução Soviética (1917)
                                                           
Por Otto Filgueiras, jornalista baiano vivendo há muito tempo em São Paulo

Tornou-se comum dizer que a “história só se repete como tragédia ou como farsa”. No caso brasileiro, a reação de intelectuais de matizes variados, partidos políticos de esquerda que se institucionalizam exclusivamente no parlamento, além de partidos da direita que não conseguiram levar adiante a bandeira udenista “Cansei”, governantes e a mídia de direita diante da revolta nas ruas que abala o Brasil desde a luta vitoriosa do Movimento Passe Livre pela redução do reajuste das tarifas do transporte coletivo, demonstra claramente que estão atabalhoados diante da antessala da barbárie capitalista na terra tupiniquim.
 
O transporte coletivo -- ônibus, trem e metro -- é caro e ineficiente; os serviços de saúde e de farmácia do SUS estão privatizados e funcionam precariamente; o sistema público de educação está sucateado; a extrema direita e a polícia, particularmente a PM, incentivam as ações de vandalismo, ao mesmo tempo em que reprime com selvageria toda e qualquer atitude de contestação por parte dos manifestantes, aplaudida e apoiada pela maior parte da mídia comercial, a imprensa dos capitalistas, em articulação com o PSDB e outras agremiações de centro direita ou de direita, a exemplo da capitalista verde, evangélica e preconceituosa Marina da Silva, iludidos que poderão capitalizar as manifestações e vencer as próximas eleições presidenciais.

Por seu lado, a presidenta Dilma Rousseff reage propondo um plebiscito sobre reforma política, sem que as manifestações tenha reivindicado isso explicitamente.
 
Não há dúvida de que as últimas semanas que sacudiram o Brasil atualizaram a luta de classes num país que se esgarça na barbárie capitalista, resultado da transição conservadora da ditadura para a “democracia”, da desmoralização dos partidos de esquerda que se institucionalizaram no parlamento, exacerbado pela mídia comercial e pela direita, e de um discurso velho de pessoas também velhas que não se deram conta de que o seu tempo passou. Além de uma política econômica que vem dos governos de José Sarney, depois o neoliberalismo de Fernando Collor, aprofundado pelos dois mandatos de FHC e há dez anos pelos governos sociais liberais de Lula e Dilma.

É verdade que os governos Lula/Dilma inseriram milhões de consumidores no mercado, a ponto de se dizer que mais gente passou para a “classe média”. Ora, classe média não é classe, pois o que define a posição social das pessoas é seu lugar no sistema produtivo. E essa gente tem também um viés conservador, quer um lugar ao sol no sistema capitalista.

Ilusão, pois o capitalismo é inviável, como demonstrou Karl Marx no Capital, pois além de levar a infelicidade à maioria do povo, ele mesmo provoca suas crises, sempre de superprodução, como a que acontece desde 2008, é anárquico, se autodestrói para os capitalistas mais fortes engoliram os mais fracos e estreitando cada vez mais a possibilidade de inserir mais gente no sistema produtivo.

Talvez, muitos revolucionários de ontem tenham perdido sua hora e sua vez há décadas. Afinal, até hoje o modo de produção socialista eficiente, inclusive tecnologicamente, não foi desenvolvido em nenhum lugar do mundo, mesmo com a luta heroica dos povos de vários países do mundo. E a grande maioria da classe operária ainda está ausente nos protestos.

Por isso, a previsão de Friedrich Engels “Socialismo ou barbárie” permanece atual e a barbárie vem se manifestando há tempos no Brasil e em outras partes do mundo. E nos acostumamos com a barbárie, numa situação parecida com a dor de dente, às vezes até de canal, não tratada durante anos e anos. A pessoa fica irritadiça, mas se acostuma com a dor.

Não é demais lembrar que cada segmento social tem uma dinâmica diferente. O Movimento Passe livre desencadeou a revolta principalmente com estudantes pobres, que depois a direita e a extrema direita, tentaram canalizar, hostilizando  partido de esquerda e o governo social liberal de Dilma Rousseff.

Para evitar o aprofundamento da barbárie capitalista, talvez movimentos populares -- que não foram cooptados e viraram ONGs --, socialistas e comunistas consigam desenvolver uma alternativa revolucionária que geste mais à frente um modo de produção socialista superior ao capitalismo, como pretendia Marx.

E a presidenta Dilma Rousseff, que tem uma trajetória respeitável de luta contra a ditadura, entenda ser fundamental tomar medidas emergenciais, estabelecendo a tarifa zero no transporte coletivo de todo país, garantindo assistência médica e medicamentos nos Sistema Público de Saúde, assegurando um sistema público de Educação eficiente e dando um basta na truculência policial fascista contra pobres e negros das periferias paulista, carioca e de muitas cidades brasileiras.

Compreensível à preocupação da Presidenta em defender a responsabilidade fiscal como primeiro dos cinco pontos do pacto que propôs à nação, pretendendo com isso acalmar o “mercado” e preservar os Interesses dos grandes capitalistas.

Mas a Presidenta bem que pode avisar a essa burguesia, os miseráveis no sentido infame do termo, que o povo quer tarifa zero no transporte, saúde e educação pública de qualidade, e um basta na truculência policial contra pobres e negros.

É inadmissível que, em plena revolta por melhor atendimento médico e de farmácia pelo SUS, diversos governos de São Paulo, petistas ou não, estabeleçam ponto facultativo nos postos de saúde, fechem as portas e não entreguem medicamentos gratuitos à população pobre (os mais caros não estão na lista do SUS), a exemplo do que aconteceu no dia 8 de julho, véspera de 9 de julho, feriado paulista por conta da Revolução Constitucionalista.

Particularmente depois do golpe militar de 1964, a máquina do Estado e mesmo estruturas sindicais e partidárias ditas de esquerda e outrora combativas, perderam sua sensibilidade em relação às demandas da população trabalhadora.

Por isso há vaga para Lenine, muitos deles e sempre há a possibilidade, caso a luta de classes se intensifique, de surgir um agrupamento ou partido bolchevique com inserção social e berrando por essas bandeiras emergenciais como fizeram os comunistas na Rússia, quando gritaram por "Paz, Pão e Terra", como parte de um programa revolucionário.

Assim, com todos os riscos da história se repetir como tragédia, pode não restar alternativa contra a barbárie capitalista. Além disso, a esquerda revolucionária ou parte dela, principalmente os jovens trabalhadores, podem aprender com erros e acertos da esquerda no passado.

Nos escombros da desordem e barbárie capitalista, quando muitos constatarem que é hora de mudar, então a nossa gente exausta talvez se convença ser necessário construir um mundo novo e muito mais humano, socialista.

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