AMÉRICA LATINA É FONTE DE INSPIRAÇÃO PARA ESQUERDA FRANCESA


Jean-Luc Mélenchon: "Na mesma Frente temos partidários do não crescimento,
partidários do crescimento e comunistas" (Foto: Reprodução)
Por Eduardo Febbro, de Carta Maior, postagem de 30/03/2012 (Parte da entrevista de Jean-Luc Mélenchon, o candidato a presidente da França, pela Frente de Esquerda, que já é chamado o “homem milagre” devido ao surpreendente crescimento de sua campanha. Chegou a 14% nas pesquisas eleitorais e fez um comício com 120 mil pessoas. Vai sendo empurrado para o terceiro lugar, atrás do presidente Nicolas Sarkozy e do candidato do Partido Socialista François Hollande).
 

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Carta Maior - Qual é a fórmula para unir correntes distintas e, amiúde, antagônicas, dentro de um mesmo movimento? Você uniu o que estava disperso e teve êxito nessa estratégia.


Jean-Luc Mélenchon - Tudo nosso é novo, o Partido de Esquerda é novo, fazemos quatro anos no próximo mês de novembro. A Frente de Esquerda também é nova. Nós acabamos de sair das catacumbas, somos uma corrente que esteve a ponto de desaparecer da paisagem política. Na realidade, os modelos que tomamos como inspiração são os da América Latina, eu me inspirei no que aconteceu lá. Por exemplo, a Frente de Esquerda é uma fórmula política que liga partidos muito diferentes. Agora temos até ecologistas oriundos das tendências mais radicais. Na mesma Frente temos partidários do não crescimento, partidários do crescimento e comunistas.


Todos chegaram a uma intersecção. Este caso, o modelo que se pode evocar é o da Frente Ampla uruguaio. Para mim foi uma fonte de inspiração, há muitos anos. A revolução cidadã é um projeto federativo, porque inclui a ideia do poder cidadão. Essa palavra permitiu a convergência de tradições revolucionárias muito distintas. Pois bem, esta ideia eu a tomei do Equador. A maneira de enfrentar o sistema dos meios de comunicação eu a tomei de Néstor e Cristina Kirchner. Aqui, na França, atribuíram esse estilo ao meu mau humor, a minhas dificuldades, mas na realidade, não é assim: eles me manipulam e eu os manipulo. Agora os trato a pão seco, assim como o fizeram o ex-presidente Néstor Kirchner e a presidenta Cristina Kirchner. Em suma, inspiro-me muito na tradição revolucionária da América Latina. Nossa consigna é: que se vayan todos! Esta consigna eu a tirei da crise argentina de 2001.

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CM – Estamos numa época de crise global e profunda. Seu discurso de ruptura tem encontrado forte eco no eleitorado. Que tipo de socialismo ou de agenda de esquerda se pode formular dentro e movimentos de sensibilidades similares, mas confrontadas com o enfrentamento da crise a mudar o sistema?

J-L Mélenchon – Na época da crise argentina, houve uma discussão com uns camaradas que tinham ocupado um hotel em Buenos Aires. Tivemos uma discussão sobre o tipo de socialismo que era necessário plasmar através das críticas que se podiam fazer ao modelo venezuelano ou cubano. O camarada que estava conosco disse: “Olhem, vocês, os europeus, são muito interessantes na hora de fazer polêmica, mas estão em crise. A última vez que houve uma crise desencadearam uma Guerra Mundial e a Shoah para sair da crise. Que vão fazer agora?”. Ficamos mudos. Aquele camarada tinha posto o dedo na ferida: a crise do capitalismo de nossa época conjuga crise econômica e crise ecológica e provoca deflagrações que vão muito além de esquemas teóricos, são deflagrações que ameaçam a própria humanidade. É preciso que nossa esquerda se cure da mania das querelas teológicas, das discussões aterradoras sem fim. É preciso ter uma prática racional. Quando se apresenta uma dificuldade, trata-se de desconstruí-la, de desconstruir seu conteúdo e voltar a construí-lo, com os elementos que funcionam. É impossível separar prática de trabalho teórico. Tenho uma intuição, um tipo de certeza histórica e política: a classe trabalhadora está cheia de ideias, de conhecimento, de especialistas. É uma fonte fabulosa! A dialética do intercâmbio nos permite avançar.


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CM – Nesse contexto, seu projeto da revolução cidadã se distancia dos princípios da social democracia, já que, por exemplo, põe-se contra a crença no crescimento econômico como fórmula do progresso.

J-L Mélenchon – No projeto da revolução cidadã há com efeito uma ruptura teórica de fundo com a social democracia. Nós não dizemos que vamos repartir o fruto do crescimento. A social democracia está organicamente ligada ao produtivismo, porque declara que o progresso social só existe dentro do produtivismo. Não. Nós pensamos o contrário. Acreditamos que o progresso econômico só é possível se há progresso humano e progresso social. Para nós, o progresso humano e social é a condição do desenvolvimento econômico. Estamos em duas visões diametralmente opostas. Temos de recuperar a audácia dos pioneiros, daquelas pessoas que diziam “este mundo é belo, é novo”. Temos de conhecer, descobrir, proteger e impedir o saque dos recursos. A Terra é de uma grande beleza, nem tudo está perdido.


Tradução: Katarina Peixoto (Clique aqui para ler toda a entrevista)

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