JUCA KFOURI: “COPA SIM, MAS OLIMPÍADAS NÃO!”


Juca Kfouri em debate realizado no Rio de Janeiro (Foto: Renato Cosentino)
Por Eduardo Sá (entrevista reproduzida do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz, de 29/11/2011, incluindo os comentários feitos até o momento desta postagem)

O jornalista José Carlos Amaral Kfouri, mais conhecido como Juca Kfouri, tem vasta trajetória no jornalismo esportivo brasileiro. São mais de 40 anos de atividade com uma posição independente e nacionalista, apresentando seus argumentos sem “papas na língua”. Não é à toa que ele responde a mais de 50 processos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), por sempre combater os poderosos do esporte mais popular no Brasil. “É a regra deles, de tentar te intimidar”, diz Juca.

Kfouri participou na última sexta-feira (25/11) do debate “Copa: paixão, esporte e negócio”, promovido pelo Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O movimento promoverá debates como este de três em três meses no Rio de Janeiro. Na ocasião, o jornalista defendeu que o Brasil não está preparado para receber os jogos Olímpicos, devido à falta de política nacional para os esportes, e que é uma vergonha a construção de 12 estádios de futebol para receber a Copa do Mundo em 2014.

Segue uma edição, previamente autorizada pelo jornalista, das palavras que Juca Kfouri disse ao público durante o evento, junto a uma entrevista concedida ao Fazendo Media.

Copa do Mundo e o reflexo de seus projetos nas cidades sedes

Na Cidade do Cabo eu vi uma das situações mais angustiantes na minha vida, a tal Cidade de Lata, que foi o local para onde foram desalojadas 4 mil famílias que moravam onde se construiu um dos mais lindos estádios que existe no mundo. É realmente uma maravilha o Cape Town Stadium, e começa a ser discutida a implosão dele porque, rigorosamente, depois da Copa ele nunca mais foi usado.

Uma das mentiras que se conta sobre a construção de estádios é que eles são pólos de desenvolvimento nas regiões para as quais eles vão. Eu estive em Soweto, e vi que o Soccer City foi feito a 4 km do outro estádio de Joanesburgo, o Ellis Park. É um estádio histórico, onde o Mandela foi vencer o preconceito dos negros em relação aos esportes dos brancos e depois teve a Copa do Mundo, quando os brancos foram ao estádio aplaudir o esporte dos negros. Soweto não progrediu 1 centímetro por causa do Soccer City. Assim como nos parece que o Engenhão, curiosamente o estádio mais moderno do Brasil que sequer foi citado para ser sede da Copa do Mundo, não deu progresso algum ao Rio. Mas fizemos mais uma reforma no Maracanã, e certamente faremos mais outra para os jogos Olímpicos.

Escolha do Brasil para sediar os dois mega eventos esportivos

Pela primeira vez na história de mais de 100 anos das Olimpíadas modernas o presidente [Carlos Nuzman] do Comitê Organizador dos jogos é o presidente do Comitê Olímpico Nacional. Não há neste comitê sequer um nome brasileiro que a sociedade brasileira respeite. Me dê um motivo, como o Tim Maia falava, para a gente achar que vai ser diferente do que foi a organização do Pan-Aamericano. São rigorosamente as mesmas pessoas que nos prometeram jogos Pan-Americanos por R$ 400 milhões de investimento público e gastaram quase R$ 4 bilhões. Prometeram despoluir a Lagoa Rodrigo de Freitas, a Baía de Guanabara e fazer o Metrô, e não nos entregaram nada. Entregaram um belíssimo parque aquático, o Maria Lenk. Enquanto a gente dizia que era um excesso para os jogos pan-americanos de segunda classe, eles diziam que caso o Rio viesse a ganhar o direito de sediar as Olimpíadas o parque aquático já estaria pronto. Era uma aposta e como se ganhou, aqueles, como eu, que criticavam, enfiaram o rabo entre as pernas como eu humildemente fiz. Mas agora o Comitê Olímpico Internacional (COI) nos diz que a capacidade de público do Maria Lenk está aquém das exigências do COI para as provas de natação, razão pela qual faremos outro parque aquático. E o nosso brilhante Maria Lenk será usado para o aquecimento das provas de natação, jogos de pólo aquático e provas de saltos ornamentais.

Aí a gente pensa na Copa do Mundo. Na França o presidente do Comitê Organizador foi o Michel Platini, que não era o presidente da Federação Francesa de Futebol e por acaso era o mais famoso da história do futebol francês. Depois na Alemanha o presidente do Comitê Organizador da Copa também não era o presidente da Federação de Futebol da Alemanha, era o Franz Beckembauer, por acaso o maior jogador da história do futebol alemão. No Brasil, certamente porque nos falta um grande nome do futebol mundial [a entrevista foi realizada antes de Ricardo Teixeira chamar o ex-jogador Ronaldo Fenômeno para o Comitê Organizador da Copa], não há outra razão, o presidente do Comitê Organizador da Copa é o mesmo presidente da Confederação Brasileira de Futebol, que logo se apressou em montar esse Comitê à sua imagem e semelhança. Pôs como diretora executiva a sua filha, Joana Havelange, cujo passado profissional dela é uma grife de bolsas que faliu. O homem de imprensa deste comitê organizador local é o mesmo da CBF, o seu Rodrigo Paiva. O diretor jurídico é um advogado pessoal do senhor Ricardo Teixeira, o [Francisco] Mussnich, que vem a ser também cunhado do nosso grande empreendedor Daniel Dantas. Também ai não há um nome que a sociedade brasileira respeite, e quando digo isso quero deixar claro que com a idade me tornei uma pessoa mais tolerante. Eu não queria gente da minha turma, mas não tem ninguém que você diga que não vai por a mão na cumbuca, e vai fiscalizar e a gente pode confiar. Nenhum. É a desfaçatez mais acabada e pronta que você possa imaginar.


Da esquerda para a direita: Luiz Antônio Simas (historiador), Inalva Brito
 (moradora Vila Autódromo), Ermínia Maricato (professora USP) e Juca
Kfouri (jornalista) (Foto: Renato Cosentino)

Copa do Mundo de 2014

Evidentemente que o Brasil pode sediar, já fez isso em 1950. Mas podemos fazer a Copa do Mundo do Brasil no Brasil, não a Copa da Alemanha no Brasil. Não podemos fazer a Copa do Mundo da Ásia no Brasil. Isso significa que não podemos fazer 12 arenas. Não é mais estádio, é estúdio de TV para ninguém ver o jogo mais de pé e não atrapalhar o negócio.

A Copa no Brasil foi a única em muitos anos que não teve disputa. A África do Sul foi escolhida por Blatter como compromisso de o Ricardo Teixeira não concorrer às eleições. Ele já tinha feito articulação com os argentinos e paraguaios e o Brasil ficou como candidato único, razão pela qual tivemos que fazer uma aceitação: adotar o caderno de encargos da FIFA, que enfia isso tudo goela abaixo. A exemplo do que se fez na ditadura militar, quando então a palavra de ordem era integrar o país pelo futebol, estaríamos consumindo novos elefantes brancos. Em Cuiabá, onde sequer futebol profissional há. Em Natal que, por acaso, o estádio de lá tem um nome sugestivo: Dunas, que é Sanud ao contrário, a tal empresa do paraíso fiscal que a Suíça vai abrir daqui a alguns dias e vai revelar confissões interessantes. No Recife, uma cidade que tem 3 estádios dos seus 3 grandes clubes, se construiu mais um no brejo. Em Brasília estamos construindo um para 70 mil pessoas verem Brasiliense e Gama. Mineirão fechou, está sendo refeito, e o Cruzeiro e o Galo estão brigando para não cair e América já caiu. O Maracanã fechou e com um fim de semana de futebol no Rio temos que mandar o jogo para Volta Redonda.

Como estou na mídia sou muito cuidadoso com essa coisa de preconceito, não estou contra os estados fora do sudeste. Mas o maior de todos os absurdos está acontecendo na cidade de São Paulo, onde existe um estádio que há 50 anos serve ao futebol mundial, no Morumbi. Ele já foi palco de jogos da seleção brasileira em eliminatórias da Copa do Mundo organizada pela Fifa, e decisões da Copa Libertadores da América: o estádio do Morumbi não serve para um evento no Brasil durante um mês e cerca de 6 jogos. Não é o ideal para a Copa do Mundo, mas ideal tem que ser o aeroporto de São Paulo, as vias de acesso, a rede hospitalar, a rede hoteleira. A cidade precisa funcionar para esse evento, e se preocupam com o estádio. O Itaquerão, por exemplo, dizem que vai levar progresso, R$ 850 milhões, isenção fiscal, dinheiro do BNDES, e falam que não é dinheiro público. Somos todos uns imbecis. Estão fazendo o novo campo do Corinthians, numa região que se a primeira ministra alemã se sentir mal não vai ter hospital para levar. Vão ter que pegar um helicóptero e levá-la ao Morumbi, onde tem o Einstein, ou no centro da cidade, no Oswaldo Cruz. Eu pergunto que sentido faz.

Eu cobri a copa em 1994 na nação mais rica do mundo, nos Estados Unidos, onde não se construiu sequer um novo estádio. Quatro anos depois eu fui cobrir a copa na França, e fui fazer um jogo do Brasil e Noruega no estádio de Marselha, que foi o mesmo estádio onde a seleção brasileira havia jogado 60 anos antes, na Copa do Mundo de 1938. Isso na França, mas aqui nós temos que fazer 12 estádios. Porque o Maracanã não está sendo refeito, está sendo destruído. Está se higienizando o estádio mais popular do Brasil. É um cartão de visita do nosso futebol. Destruíram ao arrepio do tombamento do estádio, sob o argumento mais cínico: o patrimônio histórico garante que aqui é o locus do futebol e continuará sendo. A arquitetura foi para o diabo, tudo, é outro estádio. No Mineirão também colocaram no chão e construíram outro. O Castelão, em Fortaleza, idem. A Fonte Nova já tinha ido. Nós assistimos tudo passivamente. Nem tão passivamente, eu só nesse ano fui a USP 8 vezes falar. Mas a gente ter que dar um basta, não deixar de alguma maneira que essas coisas aconteçam na nossa frente com a hipocrisia, o cinismo e o gargalhar triunfante dessa gente o tempo todo. Ainda mais sob um governo democraticamente eleito, e que a gente quer considerar popular. Não é possível que as pessoas sejam desalojadas das suas casas como estão sendo, e que isso não reflita em uma linha em nenhuma mídia brasileira. Não acho que seja possível a essa altura interromper coisa alguma, não vamos impedir a Copa e as Olimpíadas no Brasil, mas podemos fazer com que seja menos selvagem. Temos força para isso.

Olimpíadas de 2016

Copa sim, mas Olimpíadas não! Não com N maiúsculo, porque o Brasil há 511 anos não tem uma política esportiva definida. O Brasil não sabe o que quer ser quando crescer em matéria de esporte. Até hoje não se deu conta que esporte num país como o nosso é, antes de tudo, fator de prevenção de saúde. O Ministério do Esporte do Brasil deveria ser o da Saúde, e o da saúde é o da doença. O esporte no Brasil, antes de se pensar em medalha olímpica, deveria ser pensado como fator de saúde pública e democratização do acesso à prática esportiva. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um dado que é impressionante: a cada dólar que você investe em democratização do acesso à prática esportiva você economiza 3 em saúde pública.

Até hoje não estabelecemos uma política nacional de esportes, então nesse país não tem por que fazer uma Olimpíada. A gente pensar em formar atleta para ganhar medalha é um absurdo. Nós temos totais condições, temos grandes atletas, uma geração espontânea, tirando o futebol e o voleibol. Mas é óbvio que quando tivermos um esporte massificado no Brasil, da quantidade vamos tirar a qualidade. E a qualidade a iniciativa privada que cuide, os clubes que cuidem, não é dever do Estado: o seu dever é prover esportes para a população.

Nós vamos ver o Pan multiplicado por 6 vezes, porque Olimpíadas não é brincadeira. E já estamos vendo parcerias público-privadas, por exemplo, para fazer um campo de golfe. Estava previsto para ser no octogenário Itanhangá Golf Club, só que tinha um probleminha de fazer o 18º buraco. Iam fazer, mas aí apareceu uma empresa de benemerência social, a Cyrela. Por acaso ela tinha boas relações com o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, e tem um terreno chamado Reserva 1, que há anos é objeto de litígio judicial. Acharam que a solução era ele se transformar no palco do golfe das Olimpíadas, e a Cyrela constrói no entorno conjuntos habitacionais de classe altíssima para que o golfe continue sendo jogado lá. Sai uma notinha aqui e ali, e as coisas continuam: vai sair na Reserva 1 a todo preço e qualquer custo.

Mídia esportiva brasileira

Eu acho que não existe uma mídia esportiva, e sim diversas imprensas esportivas no Brasil. A TV aberta, por exemplo, é um horror porque ela é cúmplice, é sócia, da cartolagem. Vive promiscuamente com a cartolagem, confunde compra de direitos com se associar aos cartolas. E aí não há críticas, não faz jornalismo, faz entretenimento. Na mídia impressa você tem hoje uma postura adequada na Folha, no Estadão e no Lance. Este, por exemplo, podia perfeitamente estar associado a essa gente da Olimpíada e Copa do Mundo no Rio para ganhar dinheiro e não está. Então eu acho que aí tem um caminho. E você tem uma ESPN que faz jornalismo independente, fala as coisas que tem que falar.

Seleção brasileira de futebol

É uma piada pronta: Faltam 12 estádios, 12 aeroportos, uma seleção e um técnico. Não tem ainda uma seleção. O Mano Menezes fez um ano de experiências e a gente ainda não tem noção de qual vai ser a seleção brasileira. Acho que há um momento de baixa no futebol brasileiro, e de jogadores importantes machucados como o Kaká e o Ganso. Se esses dois se recuperarem plenamente mais o Neymar e o Leandro Damião, com a boa defesa que a seleção tem, faz um bom time. Enfim, não sou pessimista.

Saída de Ricardo Teixeira do poder

Eu não sei se eu vou ver. É capaz da Dilma cair e ele ficar, porque ele tem costas muito largas e se mantém apesar de todos os escândalos. Vamos ver, se a Justiça suíça soltar esses documentos com a confissão dele, se isso de fato existir, aí é impossível que ele resista.


COMENTÁRIOS

Comentário de tenis oakley

Em 30/11/2011 às 11:27

Bom não concordo com ele, acho que o Brasil tem capacidade para os dois eventos.


Comentário de Filipe

Em 01/12/2011 às 19:02

Esse Juca Kfouri é um babaca… as obras das Olimpíadas estão mais adiantadas que as da Copa.
Eu preferia que a Copa não fosse realizada no Brasil, mas a Olimpíada sim.


Comentário de Samuel Velasco

Em 03/12/2011 às 4:16

“Estão fazendo o novo campo do Corinthians, numa região que se a primeira ministra alemã se sentir mal não vai ter hospital para levar. Vão ter que pegar um helicóptero e levá-la ao Morumbi, onde tem o Einstein, ou no centro da cidade, no Oswaldo Cruz.”

O Juca errou na mão aqui… quer dizer então que Itaquera é o “inferno na terra”? Itaquera tem hospitais sim.
O que o Juca quer? Que os eventos esportivos aconteçam nos redutos da média e alta burguesia dos grandes centros? Aparentemente, os únicos lugares do Brasil que têm hospital… o resto é clínica veterinária por acaso?


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Em 03/12/2011 às 12:36

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