RACIONALIZANDO AS EMOÇÕES: DA AUTO-ESTIMA E OUTRAS ARMADILHAS


Por Luis Hornstein, psicanalista argentino

A auto-estima é uma experiência íntima: é o que penso e o que sinto sobre mim mesmo, não o que pensa ou sente alguma outra pessoa sobre mim. Minha família, meu parceiro (ou minha parceira) e meus amigos podem me amar, e ainda assim cabe a possibilidade de que eu não me ame. Meus companheiros de trabalho podem me admirar e ainda assim eu me vejo como alguém insignificante. Posso projetar uma imagem de segurança e aprumo que engane a todo mundo e ainda assim tremer devido aos meus sentimentos de insuficiência. Posso satisfazer as expectativas de outros e ainda assim fracassar em minha própria vida. Posso ganhar todas as honras e ainda assim sentir que não consegui nada. Milhões de pessoas podem me admirar e ainda assim me levanto a cada manhã com um doloroso sentimento de fracasso e um vazio interior.


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A auto-estima é fonte de motivação. Permite afrontar situações adversas, porque possibilita a cicatrização rápida das afrontas ao amor próprio. Todo fracasso é, desde o ponto de vista emocional, doloroso. Quando alguém se diz indiferente ao fracasso, garganteia. Assim, o garganteiro apela para a negação para não sentir medo, pois o fracasso dá medo: implica uma redução de nossas posses materiais ou psíquicas.


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A auto-estima inclui facetas que têm certa autonomia. É possível ter uma boa auto-estima no terreno intelectual que contrasta com uma frágil no afetivo. Pode variar em distintos planos: profissional, afetivo, intelectual, corporal, sexual. É provável que um êxito ou um fracasso num setor tenha consequências nos outros. É difícil que certas feridas narcisistas não irradiem sobre outros planos. Por sorte, também irradiam os êxitos.


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Os ciúmes implicam medo. Medo de perder uma relação ou um lugar privilegiado ou exclusivo. Os ciumentos nunca desfrutam de sua alegria: se limitam a vigiá-la. André Comte-Sponville assinala: “O invejoso queria possuir o que não possui e outro possui; o ciumento quer possuir, ele só, o que acredita que lhe pertence”. Os ciúmes patológicos se baseiam numa concepção errada do que é uma relação afetiva, tanto se é amorosa como de amizade. Esses ciúmes partem de uma concepção primitiva: amar consistiria em possuir, e aceitar o amor de um ciumento ou ciumenta seria aceitar a submissão à sua possessividade. “Quem é o terceiro que caminha sempre ao seu lado, quando estamos a sós, você e eu juntos, mas quando olho adiante pelo caminho, sempre há outros caminhando a seu lado?” (T. S. Elliot, La tierra baldia).

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Todos os bebês são prematuros. O filhote humano é o mais dependente, talvez porque não tenha que aprender a voar e caçar por sua própria conta, mas deva incorporar o mundo cultural, que se transmite pela fala e a escrita. A precocidade da criança, sua vulnerabilidade, dá origem a um apego duradouro aos primeiros objetos de amor, um desejo de fusão nunca saciado. Em todo adulto perdura esse bebê prematuro que aspira à união total com o outro. Georges Bataille o diz a propósito do erotismo. Cada ser é único, irrepetível; seu nascimento, sua morte e os acontecimentos de sua vida interessam e têm a ver com outros, porém se nasce e se morre sozinho. Entre um ser e outro há um abismo, que o erotismo tende a anular.


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Uma baixa auto-estima tem aspectos benéficos, porque a modéstia favorece que aceitemos os demais e seus pontos de vista. Pelo contrário, uma elevada auto-estima pode fazer com que a pessoa não escute as informações ao seu redor e, se bem suporta melhor os fracassos, os atribui a causas alheias a ela. Para evitar questionamentos, prefere rodear-se de bajuladores, o que pode conduzi-la a perder contacto com a realidade, fomentando atitudes prepotentes.

(Reflexões tiradas de fragmentos de Autoestima e identidad - Narcisismo y valores sociales, de Luis Hornstein, conforme matéria publicada pelo jornal argentino Página/12, edição de 21/04/2011, editoria de Psicologia. Apenas o título acima é de minha autoria, assim como a tradução).

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