O PAÍS (MÉXICO) ESTÁ PODRE (primeira parte)


Javier Sicilia (todas as fotos são reprodução da Internet)
Concentração na Cidade do México
(Entrevista reproduzida do sítio da Telesur (TV Telesul), postagem de 17/05/2011)

Mais de 40 mil mortos nos últimos quatro anos, mais de 10 mil desaparecidos e um aumento de 50% dos jovens que consomem droga no México são as cifras apresentadas pela correspondente da Telesur (TV Telesul) no país norte-americano, Aissa García, informação contida na entrevista com o poeta Javier Sicilia, que lidera o Movimento Nacional pela Paz com Justiça e Dignidade.

Javier Sicilia, em entrevista exclusiva à Telesur, fala do surgimento deste movimento, que nasce logo após a morte de seu filho, aborda os seis pontos do Pacto Nacional a ser firmado no próximo 10 de junho e expõe as exigências ao governo encabeçado por Felipe Calderón, sob a visão da necessidade de refundar um país que, argumenta, “está podre”.


Aissa García – Temos a oportunidade de conversar com o poeta Javier Sicilia, que é o principal líder do Movimento Nacional pela Paz com Justiça e Dignidade, convocou uma marcha nacional que percorreu durante vários dias importantes cidades deste país, uma marcha que só no Distrito Federal mobilizou mais de 250 mil pessoas, uma marcha que foi multiplicada em outras cidades dentro e fora do país.


Muito obrigado, poeta Javier Sicilia, por esta entrevista a Telesur.


Gostaríamos de saber o que o levou a criar este movimento que é uma realidade importante hoje em dia, que se converteu no domingo, dia 8/maio (dia da marcha que reuniu 250 mil pessoas na Cidade do México, capital do país), num verdadeiro coro de condenação contra a violência e contra o que está acontecendo neste país. Que leitura pode fazer desta marcha que despertou tanta atenção?

Javier Sicilia – Bem, na realidade eu não fiz este movimento, ele surgiu. Surgiu a partir da morte de meu filho que foi assassinado pelos vínculos podres que há neste país de certos policiais e narcotraficantes.


Quando isto ocorreu eu estava nas Filipinas fazendo apresentações de poesia e tardei cerca de um dia e meio para chegar. Eu dizia que me esperassem porque não queria encontrar-me com as cinzas de meu filho, queria participar do velório, mas... bem, os jovens, os moços, porque gostavam muito de meu filho e também de mim. O crime indignou muitíssimo aos universitários e eles mesmos já haviam protestado, feito manifestação (...), fizeram também maratonas de poesia. Quando eu cheguei já havia dois ou três dias de gestação de uma espécie de mobilização.


Além de ser poeta, eu tive uma participação na vida pública como analista político, também participei de mobilizações e movimentos e um poeta deve se encarnar também na vida cidadã porque fala do coração do homem.


Então simplesmente convoquei a primeira marcha e escrevi um artigo publicado em “Proceso”, minha revista, intitulado: “Estamos hasta la madre” (Na tradução literal seria “Estamos até a mãe”, mas não faz sentido, imagino que seria algo como “Basta, estamos de saco cheio”, mas não sei), Carta aos políticos e aos delinquentes, e aí surge a primeira marcha, a primeira mobilização.


Logo depois com o tempo surge a segunda marcha que termina se articulando num movimento que pretende dizer o que descobrimos a partir da morte de meu filho, o que descobre a sociedade e é que o país está podre.


Se o crime está como está é porque as instituições estão podres e em meio de uma guerra com instituições como estão, e os que estão fornecendo os mortos somos nós.


AG – O senhor disse que o país está em emergência nacional e também tem questionado a política, a forma como o governo enfrenta o crime organizado, que pode ampliar sobre isso?


JS – A guerra que faz o presidente da República é, como tenho insistido, uma guerra mal colocada, mal dirigida, mal conduzida. Sim, havia o problema da criminalidade, mas tínhamos um problema muito antigo que é o empodrecimento das instituições, como tenho falado, que não é responsabilidade de Calderón, isso pertence ao passado.


Eu sempre disse que é a partir da fundação do PRI (Partido Revolucionário Institucional) que se constrói um Estado mafioso, que termina por fraturar-se com a transição democrática que leva a um presidente do partido da direita com um consenso popular enorme e um presidente que não faz as reformas e não saneia o Estado, e sim trata de administrar essas máfias onde o crime começa a florescer. Porque também as relações mafiosas entre o governo e a delinquência começaram a fraturar-se. Chega Felipe Calderón com uma apertada vitória eleitoral e com um sentimento entre uma parte da nação de legitimidade e inventa uma guerra e não se dá conta de que a problemática começava no Estado e a consequência disso é que se viu o empodrecimento do Estado, porque o Estado não está cumprindo sua obrigação fundamental, que é cuidar da cidadania.


Se cria esta guerra e, neste empodrecimento do Estado, o crime floresce e há uma tremenda impunidade. É um problema sumamente greve o que vive a Nação.


AG – Definitivamente um problema muito grave, o senhor acaba de mencionar o presidente Felipe Calderón. O senhor se reuniu com ele depois do que ocorreu lamentavelmente em 25 de março (morte do filho do poeta). Espera voltar a se reunir com ele? Porque o senhor tem falado de um diálogo, mas um diálogo em formato de fórum e no Palácio Nacional.

JS – Sim, o presidente durante a marcha teve várias posições, inclusive ficar contra, e só há uma maneira de combater o crime, como me coloquei, temos a lei e a força. Talvez a lei sim, porém a força não, porque parece que vamos destruindo o país. Depois foi mudando o tom até que terminou num tom de convite a um diálogo e nós o aceitamos, mas o formato que pedimos sempre foi um formato muito claro. Insistimos que já chega de ambiguidades, que tudo seja feito pelo governo como numa democracia participativa, tem que ser cara a cara com a Nação.

A única coisa que pedimos neste formato é que seja público, segundo que estejam as vítimas, não todas, mas uma parte representativa das vítimas, que esteja uma parte representativa dos movimentos e da sociedade civil e que seja no Palácio Nacional, porque a tendência do presidente é fazê-lo sempre em sua casa, em Los Pinos. Nós queremos que seja no Palácio Nacional, porque é absolutamente simbólico e é o lugar onde se encontram os poderes.

Estamos à espera da resposta, se aceitam o formato virão agora definições que farão algumas pessoas do movimento, se reunirão eu creio que para definir este formato e entraremos num novo diálogo, eu já não estou sozinho, já não posso eu somente falar com o presidente, isso já se converteu de uma mobilização em um movimento.

AG – O senhor, no Zócalo Capitalino (monumental praça da capital mexicana), diante de mais de 250 mil pessoas e muitos milhares outros que o escutavam no país, anunciou o Pacto Nacional de seis pontos. Que vai acontecer com este pacto, vai ficar aí e nada mais? Se fala da assinatura na Cidade Juárez em 10 de junho. Falemos um pouco deste tema.

JS - Nesse pacto cremos que se consultaram muitos cidadãos, foram agendas discutidas em grupos sociais, em redes sociais, implica temas que diz respeito à democracia, à segurança, aos meios de comunicação, o patamar que necessitamos para rearticular as instituições e sanear um pouco as instituições.

O problema é muito complexo, mas acreditamos que este patamar mínimo onde a cidadania entre a questionar e fiscalizar e que tenha instrumentos para punir seus políticos possa ser um princípio para rearticular o país e temos que visibilizar as vítimas. As vítimas já começaram a ser visibilizadas, saíram do medo, de seu temor, temos uma dívida com essas vítimas.


Nós temos a intenção de fazer um muro do holocausto, vamos abrir um testamento, colocar nome e sobrenome. Saber que isso está ocorrendo neste país e que o governo tem que ressarcir muitas dessas famílias, porque tem havido uma criminalização, um momento em que as desapareceram como seres humanos para jogá-las no conceito de cifras, e de baixas colaterais e de gente que não merecia viver. Para que não volte a acontecer isto no caso da democracia necessitamos instrumentos para a reforma política, necessitamos instrumentos de cidadania para poder fiscalizar e punir, como o voto em branco, a revogação de mandatos, o plebiscito, que se retire a imunidade, então nessa linha vai um pouco o pacto que para nós é fundamental.


AG – Agora, antes de passar ao tema da Lei de Segurança Nacional, gostaria que nos falasse por que se vai firmar o Pacto Nacional do qual o senhor nos falava justamente na Cidade Juárez em 10 de junho.

JS – Primeiro, porque as instituições estão podres e é um símbolo que as instituições já não podem abrigar. Porque há que refundar o país e, nesse sentido, Cidade Juárez é um emblema do horror e da dor, é o lugar onde houve mais mortos, o lugar mais inseguro provavelmente pelo menos a nível público e porque é um símbolo de que se não corrigimos o rumo, não refundarmos o país, o país corre o risco de converter-se numa Cidade Juárez inteira e é um signo que oxalá se possa ler com muito mais sentido do que significa. Porque o tecido da Nação está esgarçado e Cidade Juárez é a mostra de que esse tecido está esgarçado.


Tradução: Jadson Oliveira

(Amanhã será publicada a segunda/última parte)


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