PELO FIM À LIBERDADE DA GRANDE IMPRENSA

Por Renato Prata, 19/05/2011 (Reproduzido de Fazendo Media: a média que a mídia faz)


A nossa cínica e hipócrita mídia brasileira (mais precisamente a grande mídia), volta e meia faz um grande estardalhaço e muito barulho contra uma suposta censura que poderia vir a sofrer ou que já estaria sofrendo. Nada poderia ser mais patético, falacioso e medíocre do que esse tipo de campanha. Não há nada nem ninguém mais livre no Brasil do que os barões dos grandes meios de comunicação. É um setor que possui mais liberdade do que qualquer outro ramo empresarial e até mesmo do que qualquer cidadão brasileiro. E os exemplos são os mais numerosos e mais variados possíveis: caluniam e perseguem pessoas (físicas e jurídicas) que contrariam seus interesses políticos e econômicos, funcionam como verdadeiros partidos políticos (ganharam até o nome de PIG: Partido da Imprensa Golpista), o conteúdo de suas programações são extremamente ideológicos, parciais, pessoais enfim, fazem o que querem e o que bem entendem no uso das concessões públicas, como se tais concessões fossem uma propriedade privada ou algo vitalício.


O melhor argumento que prova o cinismo e a hipocrisia desse tipo de campanha que tenta transformar o lobo em cordeiro é extremamente simples e direto: a liberdade de imprensa não está ameaçada porque simplesmente nunca existiu e ainda não existe liberdade de imprensa no Brasil. Quando apenas meia dúzia de famílias detêm o monopólio das concessões de rádio e televisão em todo o país, isso só pode significar que somos reféns de uma Ditadura da Informação que protege, privilegia e reproduz exatamente aquilo que representa os interesses dos detentores dessas concessões ou, mais precisamente, os seus interesses como classe social. O que eles têm, portanto, não é o medo de perder a liberdade, mas medo de perder o controle e o monopólio da comunicação que, consequentemente, representa também a perda do poder de (de)formar a opinião pública (o senso comum), que tem na televisão e no rádio os seus meios quase que exclusivos para a obtenção de informações dos mais variados temas.


Chega a dar uma ânsia de vômito ver aquelas propagandas exibidas pelas emissoras de televisão que tratam dos seus próprios telejornais. Tentam vender uma imagem de imparcialidade e impessoalidade, mostrando seus jornalistas (ou seriam atores?) discutindo as notícias, “decidindo” o que vai para o ar, como se aquilo fosse realmente verdade… Só quem não possui uma mínima noção do que é um telejornal de uma grande emissora pode pensar que quem decide o seu conteúdo são os próprios jornalistas; se é que esses ainda podem ser chamados assim, pois não passam de garotos de recado com talentos mais propícios à dramaturgia do que a qualquer outra coisa. Em busca de fama, dinheiro e glamour, enveredam pelo caminho da dissimulação, da palavra vazia e acrítica, da obediência cega e da subserviência total e irrestrita, da cumplicidade em crimes dos mais variados tipos, dos ataques mais covardes e brutais contra aqueles que atrapalham os interesses de seus respectivos patrões e, por fim, praticam o sensacionalismo cretino que explora sem sensibilidade e respeito algum as mais variadas desgraças e tragédias da vida humana.


Assim, ao manipular a informação e, consequentemente, manipular o senso comum, a opinião pública, esses déspotas mercenários se passam por baluartes da democracia e da liberdade; seus crimes são encobertos e suas responsabilidades são ocultadas e desviadas contra aqueles que os acusam; se sentem-se ameaçados de punição por alguns de seus crimes, logo gritam a todos que a liberdade de expressão está ameaçada e achincalham seus acusadores; protegem e defendem da forma mais vil todos os seus aliados e comparsas, alçando alguns deles às instâncias de poder e lutando para que aqueles que já estão lá permaneçam incólumes na missão de defender seus interesses políticos, econômicos e ideológicos. Balzac, em seu romance As Ilusões Perdidas (ainda no início do século XIX), não deixou dúvidas sobre aquilo em que o jornalismo viria a se transformar. Diz o autor através de um dos seus personagens:


“O jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio para os partidos; e de um meio passou a ser um comércio e, como todos os comércios, não tem fé nem lei. Todo jornal é uma loja onde se vendem ao público palavras com as cores que ele deseja. Se existisse um jornal dos corcundas, dia e noite provaria a beleza, bondade, a necessidade dos corcundas. Um jornal não é mais feito para esclarecer, mas para adular as opiniões. Assim, todos os jornais serão em um dado tempo covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos; matarão as ideias, os sistemas, os homens, e por isso mesmo florescerão. Terão a vantagem de todos os seres pensantes: o mal estará feito sem que ninguém seja o responsável. […] Napoleão justificou esse fenômeno moral ou imoral, como desejarem, através de uma frase sublime, ditada sobre os seus estudos sobre a Convenção: ‘Os crimes coletivos não comprometem ninguém.’ O jornal pode se permitir a mais atroz conduta, ninguém sairá pessoalmente maculado.”


Não creiam, portanto, quando ouvirem gritos e também sussurros de que a liberdade de imprensa está ameaçada, pois não se perde aquilo que não se tem. Pelo contrário, a imprensa que temos hoje está aí mais para garantir uma censura velada do que uma liberdade declarada. A grande mídia não deixou de ser golpista pelo simples fato de que os militares não estão mais no poder. Vivemos hoje sob a ditadura do mercado e, mais do que simples anunciantes e colaboradores, os detentores do grande capital são hoje sócios e donos dos grandes meios de comunicação, gerando uma relação mais promíscua e nefasta do que em qualquer outra época histórica. Com isso, o preço que pagamos diariamente para que esse tipo de imprensa continue a existir é o encarceramento das ideias, a morte da crítica e a destruição da memória. Para quem adora o deus mercado parece um preço justo, mas para quem ainda coloca o direito à vida acima do direito ao lucro, esse preço está saindo caro demais. Por tudo isso, não resta outra alternativa a não ser lutar e gritar pelo fim à liberdade da grande imprensa.


(*) Renato Prata Biar é historiador e pós-graduado em Filosofia no Rio de Janeiro.



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