CRESCE A MOBILIZAÇÃO CONTRA O AUMENTO DE ÔNIBUS EM SP

Os manifestantes, que se concentraram inicialmente junto ao Teatro
Municipal, fizeram uma passeata por várias ruas do Centro Velho
e encerraram o protesto na frente da prefeitura.
(Fotos e vídeo de Jadson Oliveira)
De São Paulo (SP) – O número oficial adotado pelos organizadores foi 6 mil, mas uma estimativa menos entusiasmada aponta para cerca de 4 mil o número de manifestantes que saíram nesta quinta-feira, dia 24, às ruas do centro de São Paulo para protestar, pela sétima vez desde o início de janeiro, contra o aumento da passagem de ônibus (de 2,70 para 3,00 e, no caso do metrô, de 2,65 para 2,90). Quatro vezes mais, portanto, do que as mil pessoas que participaram da manifestação da quinta-feira anterior, quando houve uma violenta repressão policial.


Desta vez a Polícia Militar esteve sempre presente com um contingente de uns 150 a 200 homens, incluindo cerca de 40 do pelotão de choque – na frente da prefeitura, no controle do trânsito, filmando tudo da rua e de um caminhão dos bombeiros e acompanhando tudo de helicóptero -, porém não ocorreu qualquer choque. O momento mais tenso foi quando o desfile sinalizou que ia entrar no terminal de transportes do Parque Dom Pedro II. A polícia fez uma barreira para impedir a entrada, mas terminou cedendo diante da pressão. Os manifestantes – a maioria jovens estudantes universitários e secundaristas – atravessaram eufóricos a área do terminal gritando “vem, vem, vem pra rua vem, contra o aumento” para o grande número de passageiros aguardando nas filas (estes, sim, os potenciais beneficiários e realmente necessitados de uma redução das tarifas – veja enquete abaixo).


O prefeito Gilberto Kassab foi lembrado a todo
momento nos cartazes e gritos de guerra.
Alguns jovens apelaram para o estilo dos hoje meio esquecidos
zapatistas mexicanos.
Passeata pelas ruas do centro da capital paulista já durante a noite
(Reprodução: foto de Eduardo Anizelli/Folhapress)
Como o leitor já percebeu, ao contrário do ato da quinta-feira passada, o protesto não se restringiu a uma concentração no Viaduto do Chá, na frente do prédio onde despacha o prefeito Gilberto Kassab. Começou ali pertinho, na Praça Ramos, junto ao Teatro Municipal, a partir das 5 horas da tarde, e cumpriu um esticado itinerário pelas ruas do Centro Velho da enorme cidade paulistana, para encerrar, já mais de 9 horas da noite, de volta no Viaduto do Chá. O itinerário: Teatro Municipal, frente da prefeitura (com parada especial para “falar” ao prefeito), Rua Cásper Líbero, Largo de São Francisco, Praça da Sé, Praça João Mendes, Avenida Rangel Pestana, Parque Dom Pedro II, e retornando por roteiro mais ou menos semelhante, pegando o Pátio do Colégio e a Rua Boa Vista.


O Carnaval paulista terá um novo bloco: “Dança Kassab”


Agitando bandeiras e cartazes, às vezes pulando e às vezes se sentando no asfalto, alguns cobrindo quase todo o rosto no estilo que lembra os hoje meio esquecidos zapatistas mexicanos, com a ajuda de batucadas e algumas vuvuzelas e já roucos de tanto gritar suas consignas – “mãos ao alto, três reais é um assalto”, “o povo na rua, Kassab a culpa é sua”, “chega de aumento pra deputado, e pro povo só ônibus lotado”, “dança Kassab, dança até o chão, aqui é o povo livre contra o aumento do busão” -, os manifestantes fecharam o ato na frente da prefeitura.


Um ia falando ao megafone e os demais repetindo frase por frase. Se deram parabéns pela manifestação “com 6 mil pessoas” – muitos responderam “amanhã vai ser mais”; festejaram o aumento da mobilização: “pensaram que com a repressão ia diminuir a disposição do nosso movimento, mas estamos aqui em maior número e teremos atos ainda maiores”; homenagearam o estudante e servidor público municipal Vinicius Figueira, que foi espancado no protesto anterior e teve o nariz quebrado; e marcaram nova manifestação na próxima quinta, dia 3, desta vez na Praça do Ciclista (cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação). Como estará se iniciando o Carnaval, prometeram um bloco com o nome “Dança Kassab”.


“O reajuste da tarifa de ônibus é inconsistente, é ilegal”


Integrantes do Comitê de Luta contra o Aumento da Passagem (participam várias entidades, como a Associação Nacional dos Estudantes – Livre, Anel, os sindicatos dos Metroviários e dos Ferroviários da Zona Sorocabana e a Juventude do PT) esperam que o crescimento da mobilização popular force a prefeitura a ficar mais flexível nas negociações, as quais até o momento não andaram quase nada, depois de alguns encontros infrutíferos na semana passada. Mariana Toledo, formada em Ciências Sociais e mestranda em Sociologia, militante do Movimento Passe Livre, informou que foi protocolada, na segunda-feira, dia 21, uma carta pedindo negociação, e ontem os dirigentes do movimento receberam a resposta da Secretaria de Transporte do município, marcando uma reunião para o próximo dia 4.


Mariana Toledo (falando ao megafone), militante do Movimento
Passe Livre, informou que deve haver reunião de negociação
no próximo dia 4.
Para o vereador José Américo, do PT, que foi vítima de agressão no protesto anterior e estava na passeata de ontem ainda com um dedo enfaixado (foi fraturado numa trombada com um escudo da tropa de choque), a negociação é difícil, mas o movimento tem que insistir. Ele diz que “o reajuste da tarifa de ônibus é inconsistente, é ilegal”, e aponta irregularidades em alguns itens constantes na planilha de custos, como no preço do óleo diesel e no custo do quilômetro rodado. Informou que a bancada de vereadores do seu partido entrou com uma ação judicial, há uns 10 dias, pedindo uma liminar contra o aumento, e espera uma decisão até o final da próxima semana.


Quase todos no terminal apoiam os manifestantes


Numa rápida enquete feita entre passageiros no terminal do Parque Dom Pedro II, a maioria deles na fila enquanto os manifestantes passavam, quase todos apoiam a principal reivindicação. “É realmente um abuso, a tarifa é cara demais e não há um transporte que vale a pena”, respondeu Pedro Oliveira, segurança e corretor de imóveis, que esperava ônibus para retornar a Guaianazes, “depois de Itaquera, levo 40 minutos na vinda pela manhã e agora, na volta, de uma e meia a duas horas”, explicou. “Justo, justíssimo (o protesto), três reais é um roubo, se eu não estivesse aqui trabalhando, estava lá também (participando)”, apoiou com entusiasmo uma empregada (mais duas se juntaram reforçando a declaração da colega) da lanchonete Ryco Express, instalada no terminal.


André Luiz dos Santos afirmou que também apoia, “mas não participo por falta de coragem, tenho medo de represália da polícia”. Ilustrou suas palavras indicando a presença dos policiais acompanhando o desfile. Ele disse que estuda para ser analista de informação, está no segundo ano, e aguardava coletivo para Ermelino. E Adauto Silva, que esperava na fila de Itaim Paulista (zona leste) e se identificou como modelista de calçados, afirmou: “Apoio, três reais é muito mesmo, se tivesse pelo menos condução boa, podia até ser...”


Só um senhor, numa fila, todo vestido de negro, pronunciou-se contrário à manifestação:


- O senhor apoia a turma aí na rua contra o aumento?


- Não, disse secamente.


- Por que?


- Sou crente – e não foi mais possível tirar uma palavra de sua boa. Insisti um pouco, ele ficou olhando para o lado.


Passagem de ônibus em Buenos Aires custa 60 centavos de real


O transporte coletivo na Argentina é fortemente subsidiado pelo governo federal. Daí, uma passagem de ônibus em Buenos Aires custa 1,25 peso, o equivalente a cerca de 60 centavos de real, enquanto a de metrô custa 1,10 peso, que equivale mais ou menos a 50 centavos de real. Atualmente 1 real corresponde a 2,2 pesos argentinos. (Já que estamos na área e a catraca é sempre citada nos protestos como algo negativo, lembro que nos ônibus portenhos não há catraca).


O prédio da prefeitura esteve sempre protegido por uma barreira
de policiais (além de uma cerca de grades) durante todo o protesto.
Para continuar as comparações com nossos vizinhos argentinos (estou passando uma temporada por lá), cito mais um detalhe que me vem logo à cabeça quando vejo nossos PMs cheios de armas, especialmente durante a violência da quinta-feira passada, dia 17. Há uns dois ou três meses, o recém criado Ministério da Segurança (na verdade, foi desmembrado do Ministério da Justiça) proibiu o uso de armas pelos policiais que atuam nos chamados “conflitos sociais” – manifestações populares, de trabalhadores, ocupações de terreno, prédios, etc. Eles usam apenas, em casos mais graves, canhões com jatos de água, por sinal colorida (vi com água azul, não sei se há outras cores). A ministra da Segurança, Nilda Garré, avisou logo quando tomou posse: conflitos sociais se resolvem com negociação. (Outra “arma” muito utilizada pelo governo nos “conflitos sociais” são os processos judiciais, mas com tramitação bastante rápida).


O trabalho que é feito no Brasil pelas PMs, subordinadas aos governadores, é feito, pelo menos no caso de Buenos Aires, pela Polícia Federal, subordinada ao governo federal. A oposição de direita tem reclamado contra a atuação da polícia desarmada, contando para isso com o apoio da maioria dos meios privados de comunicação, mas o governo de Cristina Kirchner, que se proclama governo dos Direitos Humanos, tem sustentado a posição, a qual, aliás, é corriqueira nos países geralmente considerados mais civilizados da Europa.



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