De São Paulo (SP) – Assim dizem os milhares/milhões de baianos/nordestinos que povoam esta imensidão paulistana, esta terra de tantos forasteiros e de tantas padarias, café com leite você encontra em cada esquina, todos os dias, de manhã, de tarde e de noite.
- Eu sou baiano de Feira de Santana, vivo aqui há mais de 30 anos, vim pra cá com meus pais que ainda são vivos, aqui foram criados meus quatro filhos, todos hoje são casados, trabalhando graças a Deus. Meu nome é José, todos me chamam Zé da Pedreira, labutei muito tempo numas pedreiras.
- Eu sou baiano de Xique-Xique, lá perto de Irecê, você conhece? Cheguei aqui em 1974, tinha 19 anos, nunca mais voltei, minha vida é aqui. Meu nome é Dilson, mas os conhecidos me chamam Roberto Carlos, eu vivia cantando “Detalhes” do rei Roberto Carlos e o nome pegou.
- Eu sou baiano de Salvador, mas nasci em Seabra, na Chapada Diamantina, vivo viajando e estou passando uma temporada por aqui.
- Eu sou pernambucano de Caruaru...
- Eu sou cearense de Juazeiro do Norte...
Este papo poderia se repetir, assim ou assado, em milhares de recantos da capital paulista, especialmente na imensidão da Zona Leste, a mais pobre. Por acaso é em Guaianases (oficialmente Vila Yolanda II, bairro do imenso distrito chamado Cidade Tiradentes, ocupada e construída aos trancos e barrancos pela população pobre, em meados de 1990, nos antigos limites da cidade). Cheguei até lá depois de viajar mais de duas horas de metrô e ônibus. Eu dizia “lá em São Paulo...”, e uma amiga de Guaianases me corrigia: “Aqui também é São Paulo”, “oh, me desculpe”. O cenário é um barzinho como tantos, uns tomam cachaça 51, outros cerveja, eu tomo Jurubeba Leão do Norte. A conversa, inconsistente e variada, como sempre, rola fácil entre desconhecidos de um minuto atrás:
- O quentão, por exemplo, conheci em Salvador, minha ex-mulher Heny preparava em toda festa de São João, mas é um costume que ela aprendeu aqui porque em sua juventude trabalhou em São Paulo, morava em Diadema. Um costume que não é baiano, é paulista. Vi ainda na zona rural de Brumado, no sudoeste da Bahia, levado também por baianos que viveram por aqui (disse eu todo prosa, recordando com saudade dos sãojoãos de Itacaranha, no subúrbio ferroviário de Salvador, e da roça do meu amigo Geraldo Guedes, em Correias, Brumado).
- Ah, não, o quentão não começou aqui, não. Ele começou lá em Riachão do Jacuípe, perto de Feira, lá na Bahia, se vocês não sabem, agora ficam sabendo. De Riachão o quentão se espalhou pra São Paulo e pro resto do Brasil e do mundo (anunciou a espantosa revelação o Zé da Pedreira, animado com a terceira ou quarta cerveja).
Enquanto isso, “Roberto Carlos” mostrava umas fotos do seu time de futebol do bairro, do qual, já passando dos 50 anos, se disse ex-craque, atualmente técnico e conselheiro.
- E por que as cores do teu time são as mesmas do Bahia, lá de Salvador, azul, vermelho e banco? (notei eu).
- Porque tinha um bocado de baiano e o patrocinador era baiano e torcedor do Bahia, na época o Bahia tinha sido campeão brasileiro, estava no auge, explicou.
Mas o pernambucano de Caruaru, engolindo sua (pra mim intragável) 51, não estava nem um pouco interessado em futebol. Queria porque queria manter o tema do São João, a especialidade de sua terra, falou até de um tal “forró quentão", segundo ele, a maravilha das maravilhas.
Em busca da sobrevivência e da fortuna
Foi mais ou menos assim meu batismo em Guaianases, bairro popular paulistano, pra não dizer que só ando em Aclimação, Avenida Paulista e Praça da Sé. E assim vou me aclimatando (sem trocadilho) nesta terra para onde, na década de 50/início dos 60, vinham buscar a sobrevivência e a fortuna os mais pobres, os menos escolarizados, os da roça lá do interior da Bahia (isto no meu imaginário da adolescência, enquanto nós, os poucos mais privilegiados, buscávamos os caminhos de Salvador para estudar, sonhando com a universidade). Vinham ser ajudantes de pedreiro (os homens) ou domésticas nas casas dos “barão”, como eles diziam, vinham e voltavam trocando o verbo botar pelo verbo pôr, trocando tomar banho por banhar-se, “quem toma banho é cavalo”, usando óculos escuros, sobraçando enormes rádios “portáteis” a pilha, puxando o “r”, Tôta, um cara muito popular em Seabra, voltou imitando com desenvoltura o sotaque italiano, fazia um tremendo sucesso, havia a piada dando conta de que o pobre roceiro passava seis meses/um ano em São Paulo e voltava lá pro interior da Bahia desconhecendo o maxixe, dizia “aquele bichinho de rabo”, puxando o “r”, evidentemente.
- Eu sou baiano de Feira de Santana, vivo aqui há mais de 30 anos, vim pra cá com meus pais que ainda são vivos, aqui foram criados meus quatro filhos, todos hoje são casados, trabalhando graças a Deus. Meu nome é José, todos me chamam Zé da Pedreira, labutei muito tempo numas pedreiras.
- Eu sou baiano de Xique-Xique, lá perto de Irecê, você conhece? Cheguei aqui em 1974, tinha 19 anos, nunca mais voltei, minha vida é aqui. Meu nome é Dilson, mas os conhecidos me chamam Roberto Carlos, eu vivia cantando “Detalhes” do rei Roberto Carlos e o nome pegou.
- Eu sou baiano de Salvador, mas nasci em Seabra, na Chapada Diamantina, vivo viajando e estou passando uma temporada por aqui.
- Eu sou pernambucano de Caruaru...
- Eu sou cearense de Juazeiro do Norte...
Este papo poderia se repetir, assim ou assado, em milhares de recantos da capital paulista, especialmente na imensidão da Zona Leste, a mais pobre. Por acaso é em Guaianases (oficialmente Vila Yolanda II, bairro do imenso distrito chamado Cidade Tiradentes, ocupada e construída aos trancos e barrancos pela população pobre, em meados de 1990, nos antigos limites da cidade). Cheguei até lá depois de viajar mais de duas horas de metrô e ônibus. Eu dizia “lá em São Paulo...”, e uma amiga de Guaianases me corrigia: “Aqui também é São Paulo”, “oh, me desculpe”. O cenário é um barzinho como tantos, uns tomam cachaça 51, outros cerveja, eu tomo Jurubeba Leão do Norte. A conversa, inconsistente e variada, como sempre, rola fácil entre desconhecidos de um minuto atrás:
- O quentão, por exemplo, conheci em Salvador, minha ex-mulher Heny preparava em toda festa de São João, mas é um costume que ela aprendeu aqui porque em sua juventude trabalhou em São Paulo, morava em Diadema. Um costume que não é baiano, é paulista. Vi ainda na zona rural de Brumado, no sudoeste da Bahia, levado também por baianos que viveram por aqui (disse eu todo prosa, recordando com saudade dos sãojoãos de Itacaranha, no subúrbio ferroviário de Salvador, e da roça do meu amigo Geraldo Guedes, em Correias, Brumado).
- Ah, não, o quentão não começou aqui, não. Ele começou lá em Riachão do Jacuípe, perto de Feira, lá na Bahia, se vocês não sabem, agora ficam sabendo. De Riachão o quentão se espalhou pra São Paulo e pro resto do Brasil e do mundo (anunciou a espantosa revelação o Zé da Pedreira, animado com a terceira ou quarta cerveja).
Enquanto isso, “Roberto Carlos” mostrava umas fotos do seu time de futebol do bairro, do qual, já passando dos 50 anos, se disse ex-craque, atualmente técnico e conselheiro.
- E por que as cores do teu time são as mesmas do Bahia, lá de Salvador, azul, vermelho e banco? (notei eu).
- Porque tinha um bocado de baiano e o patrocinador era baiano e torcedor do Bahia, na época o Bahia tinha sido campeão brasileiro, estava no auge, explicou.
Mas o pernambucano de Caruaru, engolindo sua (pra mim intragável) 51, não estava nem um pouco interessado em futebol. Queria porque queria manter o tema do São João, a especialidade de sua terra, falou até de um tal “forró quentão", segundo ele, a maravilha das maravilhas.
Em busca da sobrevivência e da fortuna
Foi mais ou menos assim meu batismo em Guaianases, bairro popular paulistano, pra não dizer que só ando em Aclimação, Avenida Paulista e Praça da Sé. E assim vou me aclimatando (sem trocadilho) nesta terra para onde, na década de 50/início dos 60, vinham buscar a sobrevivência e a fortuna os mais pobres, os menos escolarizados, os da roça lá do interior da Bahia (isto no meu imaginário da adolescência, enquanto nós, os poucos mais privilegiados, buscávamos os caminhos de Salvador para estudar, sonhando com a universidade). Vinham ser ajudantes de pedreiro (os homens) ou domésticas nas casas dos “barão”, como eles diziam, vinham e voltavam trocando o verbo botar pelo verbo pôr, trocando tomar banho por banhar-se, “quem toma banho é cavalo”, usando óculos escuros, sobraçando enormes rádios “portáteis” a pilha, puxando o “r”, Tôta, um cara muito popular em Seabra, voltou imitando com desenvoltura o sotaque italiano, fazia um tremendo sucesso, havia a piada dando conta de que o pobre roceiro passava seis meses/um ano em São Paulo e voltava lá pro interior da Bahia desconhecendo o maxixe, dizia “aquele bichinho de rabo”, puxando o “r”, evidentemente.
Comentários
Abraço,
Fabiano
que beleza de texto meu grande amigo!
Conhecer, desbravar, conquistar o mundo e ver as culturas diferentes...
é maravilhoso, é contagiante!!
Em Nassif, ele foi enriquecido com o comentário de Antonio Barbosa Filho, saudoso da terra baiana. Veja aí:
"Sou baiano, nascido em Taubaté. Sou do Mercado das Sete Portas, do Buraquinho, da Lagoa de Pituaçú, da Vesgueira do Bira, lá na Ribeira, do Plano Inclinado, do Desterro. Sou do Mosteiro de São Bento, da Rua Ruy Barbosa, da Maria Phumaça, na Barra. Sou da Graça, da Colina Sagrada, da Baixa do Sapateiro, sou muito do Maciel.
Sou mesmo é da Barroquinha.
Ai que falta me faz. Porreta!"