Cadê o nome do presidente?

De La Paz (Bolívia) – A VII Cumbre (reunião de cúpula) da Alba, Aliança Bolivariana para os povos da nossa América, realizada nos dias 16 e 17 de outubro, em Cochabamba, capital do departamento (estado) do mesmo nome no centro da Bolívia, foi fato jornalístico da maior importância na pauta dos meios de comunicação bolivianos. Desculpe, estou abrindo a matéria realçando uma obviedade.
Mas, nem tanto. Para o El Diario (sem acento, em espanhol), o mais antigo e um dos quatro principais jornais editados em La Paz, as conclusões do encontro de nove países da América Latina e Caribe (1) mereceram duas materinhas, no pé da página, uma na editoria Internacional e outra na de Economia, ambas abrindo com o mesmo enfoque, o tema ecológico: "Alba defenderá na ONU os direitos da Mãe Terra" e "Cumbre da Alba terminou com declaração sobre mudança climática".
(Tecnicamente, nos meus tempos de editor, isso era considerado uma falha: duas matérias sobre o mesmo assunto numa mesma edição, em duas editorias, ainda mais com o mesmo enfoque)।
Fora esses "estranhos" critérios de edição, que certamente interessam mais aos profissionais do jornalismo, o que mais chama a atenção na "cobertura" do tradicional El Diario é a ausência da citação de qualquer um dos nomes dos presidentes participantes do evento. Numa das matérias a coisa é mais gritante: são citadas, em dois parágrafos, declarações literais do presidente Evo Morales, entre aspas, mas é omitido o seu nome. Aparece só "o presidente da Bolívia". Intolerância? Rancor?
JOGO DE OMISSÕES E INTERESSES - Ao invés de se explicitar algum nome ou nomes dos chefes de Estado presentes, aparecem "os líderes latino-americanos", "os líderes do bloco", "os mandatários e representantes". Outro detalhe: não se mencionam os Estados Unidos quando se fala da má vontade dos países ricos em contribuir na luta contra a poluição, como a não assinatura do Protocolo de Kyoto. A menção é sempre genérica, "países industrializados", "países desenvolvidos".

No mais, os textos são sóbrios, não trazem outras sacanagens (está achando pouco?). Dão algumas informações corretas das decisões adotadas na Cumbre e uma das matérias tem até uma foto da mesa de reunião (pequena, ao pé do pé da página). Curioso sobre os meandros e idiossincrasias dos jornais, atividade à qual estou ligado há 35 anos – desde outubro/1974 -, fui pesquisar nos editoriais da mesma edição do El Diário. Ah, aí o nome Evo Morales é citado com todas as letras, para tomar pau, claro.
TEMPOS DE AGITAÇÃO POLÍTICA E CULTURAL - Os outros três jornais diários, editados em La Paz, informativos, "sérios", fizeram uma cobertura que podemos considerar normal, até onde pude acompanhar, com muitas limitações. Não li todos todos os dias, espiava as primeiras páginas nas bancas, comprava um ou dois. O La Razón, que dizem ser o mais lido, e o La Prensa sempre estão fustigando o governo, dentro daquela linha "normal" da imprensa privada contra as forças de esquerda, mas não notei nenhuma apelação especial.
Quanto ao Cambio (sem acento, em espanhol), não é preciso falar de sua linha editorial, é estatal, criado no início deste ano pelo governo Evo Morales. (Um detalhe: apenas o El Diario é naquele formato grande, standart, todos os demais por aqui são tamanho pequeno, moderno, tipo tabloide).
Além dos quatro, há diários que circulam por aqui editados em cidades como Santa Cruz e Cochabamba (presumo que tenham também circulação nacional). Temos ainda, não poderiam faltar, vários outros daqueles chamados "populares", dedicados a bundas e peitos, futebol, crime e ti-ti-ti de novelas e celebridades.
E uma variedade grande de publicações semanais e mensais, a maioria abordando temas políticos, econômicos e culturais, o que reflete a agitação pela qual o país atravessa nestes tempos de Revolução Democrática e Cultural, como é chamado oficialmente o processo de mudança ("cambio") na Bolívia.
(1) Além de convidados e observadores, participaram presidentes, chefes de Estado e representantes da Bolívia (Evo Morales, o anfitrião), Cuba, Venezuela, Equador, Honduras (representante de Manuel Zelaya, presidente que resiste a um golpe de Estado), Nicarágua e as ilhas caribenhas: Dominica, São Vicente e as Granadinas e Antigua e Barbuda.

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