Paranaenses voltam à Boca (carta de amor)

De Curitiba(PR) – Amor, eu ia escrever uma matéria jornalística, mas resolvi fazer uma carta de amor, uma carta de amor incluindo coisas ridículas e com o dizer errado/certo do povo (desculpe, andei lendo Fernando Pessoa e Manuel Bandeira).


Manifestação do Fórum popular contra o pedágio

Militantes do MST iniciaram manifestaçõएस
de rua na terça-feira
A matéria era pra dizer que o pessoal ligado a mais de 20 entidades do movimento social, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), volta ao centro de Curitiba para protestar contra os efeitos da crise do capitalismo, os quais terminam sempre caindo no lombo dos mais pobres. Por obra e mágica dos governos e dos capitalistas. (Lembras? em junho último, o MST e outras entidades fizeram manifestações e debates aqui, pelo mesmo motivo, acompanhados pelo repórter deste blog).Nesta sexta-feira, dia 14 (dia do aniversário de um casal muito nosso conhecido), será o chamado ponto alto da “jornada nacional de lutas”। Eles farão concentração a partir das 8 horas, na Praça Santos Andrade (aquela da Universidade Federal e do Teatro Guaíra) e, em seguida, ato político/cultural onde? onde? lá mesmo, na Boca Maldita.


Pelo petróleo: Luis Rosa (Centro Che Guevara)
e Gustavo Erwin (CMS)

Aglomerações não faltam
no calçadão da Rua XV
Pois bem, numa carta de amor não preciso me ater àquele jeitão convencido do falar jornalístico e quero te falar mais à vontade da minha afeição pela Boca, como dizem, abreviadamente, os curitibanos। Na verdade (assim falava, ainda bem pequena, tua afilhada Ana Carolina), aquele calçadão da Rua XV de Novembro, que considero a alma da cidade।
(Interrompo, por um momento, para ver e fotografar, da minha janela do 16º andar, as duas colunas de sem-terra que já começam, nesta terça-feira, dia 11, a agitar as ruas। Vão pela André de Barros martelando suas palavras-de-ordem, incansáveis, pela reforma agrária, em defesa dos direitos sociais, etc, etc).

Uns leem jornais, os (e as) jovens
preferem revistas "femininas"
Te falava da Boca, da Rua XV, daquele fervilhar de gente, a maioria de casaco escuro no frio inverno sulista। Por onde me habituei a circular todos os dias desde o primeiro dos quase seis meses curitibanos. As gentes e coisas que vejo primeiro com olhar de surpresa, olhar de quem chega, e depois, já agora, quase nostálgico, com olhar de quem parte. Por onde me acostumei a parar nas bancas de jornal (nas revistarias, nome que usam por aqui), para ler as primeiras páginas afixadas, as manchetes com a gripe suína (quem agüenta?) e Sarney, o repetidor da Globo no Maranhão, o “presidente da transição” – só agora a chamada grande imprensa “descobriu” tratar-se de um pequeno demônio.

Tu já viste, mas quero te mostrar outra vez, afinal esta carta de amor não é só tua, é minha também, e cada um tem seu jeito de ver (já me disseste esta grande verdade)।

Zé do Bandoneon (José Antônio Scholtz)
Dupla de repentistas: um se diz alagoano,
o outro pernambucano
Amarildo Ricardo, no e-mail "palhaço doida"
Quero falar dessas figuras estranhas que aparecem na Boca, dos malabaristas da sobrevivência, o sem-braço que toca violão, o sem-perna que joga futebol, os repentistas que se dizem nordestinos, os músicos populares, os enganadores com seus remédios milagreiros, os mágicos, os artesãos, as “estátuas vivas”, os vendedores e vendedoras de PF, de cocada, de retrato, de pipoca, de tanta coisa... os palhaços que vendem barato sua falsa alegria. Mas sobrevivem, é o que importa. Até aqueles que, à noite, mais tarde, dormem sob as marquises enrolados em sujos cobertores (com esse frio e chuvisco, meu deus do céu!).

Na fila do McDonald's para comprar sorvete


"Colabore com nossa carreira",
pedem os garotos no cartaz


A "bicicleta folclórica" do Jacaré
(material de garrafas plásticas)

Quero te falar também dessa gente mais bonita, as mulheres batem firme o salto das botas, tok, tok, tok, tok... desfilam sua elegância, nada como o frio! A gente que compra, compra, compra no desespero desse fundamentalismo moderno (alô Milton Santos, grande cientista baiano). Que bebe chopp, que bate papo, que fofoca (razão do nome Boca Maldita), que faz fila no McDonald’s pra comprar aquele sorvete “plastificado”. E têm ainda as barracas de órgãos governamentais, oferecendo serviços e orientação, ora sobre aleitamento materno, ora sobre hipertensão arterial, etc, etc. Outro dia medi minha pressão por lá, está, por enquanto, sob controle.

Dalva, da cocada (esquina da Rua XV com a Rio Branco)
Anunciando retratos para documentos

Amor, comecei esta carta com política e vou acabar com política। Já me disseram que só vejo política em minha frente. Será? Mas tudo é política, não? Então, os militantes políticos levam também suas bandeiras até a Boca. Sempre estão por lá, pedem sua adesão, sua assinatura para um projeto de lei ou um
abaixo-assinado। Passam por lá os representantes do Fórum popular contra o pedágio, de campanhas como O petróleo tem que ser nosso, pela criação do Partido Pátria Livre, contra a bomba nuclear... falei pro cara “tem que dizer que a bomba foi jogada no Japão pelo império dos Estados Unidos, não foi pelo Irã, nem Coreia do Norte, nem Cuba e nem tampouco pela Venezuela...” “Tá certo, tá certo...” concordou।

Sábado passado, dia 8, revivi meus velhos tempos de militante comunista. Participei de um curso de formação (ao todo são três módulos, quatro horas cada) sobre Marxismo para Revolucionários, patrocinado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a cargo do economista José da Silveira Filho (professor Caju, do Partido Comunista Marxista-Leninista – PCML). A sede do PCB fica ali mesmo num edifício da Boca Maldita. Eu era o mais velho do grupo, alguns bem jovens, me vi um pouco neles, uns 30 anos atrás, sonhando com a revolução popular, socialista. Mas, na verdade, creio que continuo sonhando, de olho na utopia. Afinal, tenho a humanidade em boa conta.


Professor Caju (de pé, do PCML) e Rodrigo Jurucê (PCB)
(Atenção: não confundir com o Partido Comunista do Brasil – PC do B, bem maior e mais conhecido, priorizando hoje as atividades institucionais, inclusive participando do governo Lula। Ambos – PC do B e PCB – reivindicam a herança histórica do PC desde a fundação, em março de 1922).Assim, amor, minha boa vida vai passando, o tempo escorregando às vezes devagar, às vezes mais rapidamente do que esperamos. “Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão-de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que parte da vida?” (Fernando Pessoa).
Porém, isso é a vida de cada um, porque a vida, propriamente dita, não passa.

Que tal minha carta de amor? Beijos, te amo.

Comentários

Unknown disse…
Amor,
Fernando Pessoa diz que cartas de amor são ridículas.Você é tão excêntrico que até escrevendo carta de amor é original. Parece muito mais carta de amor a Curitiba, mas eu entendo as entrelinhas.
Bj, te amo.
Joana D'Arck disse…
"Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,

Ridículas. As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas. Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas. A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)"

Já que você citou o poema de Fernando Pessoa, resolvi brindar o seu níver relendo o preferido dos românticos. Fiquei surpresa com a sua carta para presentear a mulher amada,não sabia do tamanho do seu romatismo.
Entrei aqui para dar o abraço, que gostaria muito que fosse pessoalmente, e dizer que sentimos muita falta sua por aqui. Até Ana Carolina comentou ontem à noite, quando me viu postando a sua carta em que ela é citada, com a espontaneidade própria das crianças: "Sabe que tenho saudade de Jadson?"

Parabéns,companheiro! Aproveite muito todos os seus dias, mas especialmente hoje, da forma como for, de preferência tomando uns goles com bons amigos...hehehehehe

Grande abraço nosso (meu de Nana e de Sinval)
Unknown disse…
Grande Jadson!
Bela carta de amor, companheiro. O amor se pode expressar de várias formas; o companheiro Jadson é sempre original.
Um grande abraço deste seu breve amigo curitibano.
até!

Dyener
Brilhante como sempre...
abraço companheiro!
Jadson disse…
Recebi atencioso e-mail do companheiro Rodrigo Jurucê, novo amigo das terras paranaenses, secretário municipal do PCB (Partido Comunista Brasileiro, chamado Partidão) de Curitiba. Ele diz ter gostado da "carta de amor" e faz comentário crítico sobre o PCdoB (Partido Comunista do Brasil). Transcrevo aqui, com sua autorizãção: "O PCdoB não assume completamente a nossa história, eles querem ficar apenas com as virtudes. Nós, ao contrário, assumimos os erros, os equívocos, além dos acertos cometidos desde 1922. Além disso, historicamente, quem saiu do PCB foram eles (PCdoB), romperam com a URSS, aliaram-se à China; atualmente eles estão no governo capitalista de Lula, etc".