Estou cansado, há muito tempo não trabalho tanto. Garanti à nossa editora Joana D'Arck que faria matéria diariamente neste Fórum Social Mundial (FSM) de Belém do Pará. E estou cumprindo o trato. Bem, vou conversar informalmente com vocês, para descontrair.Não sabia o tamanho da loucura que é o FSM. Você transita de temas fundamentais hoje para o destino da humanidade até coisas que, pelo menos aparentemente, não seriam tão sérias. Mas pode ter aí uma boa dose de preconceitos da esquerda mais ortodoxa, onde eu talvez me encaixe. Como disse no título, transitei neste sábado, dia 31, da luta armada ao sexo em defesa da floresta, passando pelo drama das nações e povos sem Estado, pela Marcha da Maconha e pelo Abraço Grátis. Confira nas fotos.
Nações sem estado
É a primeira vez que o FSM, agora na sua nona edição, tem um espaço específico para a luta dos povos por sua autodeterminação. Foi o tema que mais me atraiu (ver matéria anterior sobre o povo Mapuche, do Chile, pegando o gancho da nova Constituição da Bolívia). Me concentrei um pouco nele, pois o Fórum abarca uma gama imensa de assuntos e a gente fica meio perdido, ainda mais levando em conta o calor e a chuva nesta época, além das distâncias dentro dos dois campi das universidades federais do Pará (UFPA) e Rural da Amazônia (UFRA).
O organizador da iniciativa foi o Centro Internacional Escarré para as Minorias Étnicas e as Nações (Ciemen), da Catalunha, um dos mais de 30 povos listados como sem Estado. Quer dizer, são nações, povos, com sua língua, história, território, cultura, costumes, etc, etc, que não estão organizados em Estado. Muitos lutam pela emancipação política, pela independência, ou por direitos coletivos, em uns casos mais amplos, em outros mais limitados, cada um dentro de determinada realidade.
Os da Catalunha, por exemplo, são um dos três povos que vivem tal situação na Espanha. Os outros são os bascos e os galegos (País Basco e Galícia). No território hoje da França há cinco situações semelhantes: além de parte dos catalões e bascos, há ainda a Córsega, Bretanha e Occitània (nome francês, não sei como é em português).
A tragédia dos palestinos
O mais conhecido caso é a Palestina, na mídia todos os dias devido à constante agressão israelense। Os palestinos tiveram seu território usurpado em 1948 para a criação do Estado de Israel, cujo povo, espalhado por todo o mundo, vinha da tragédia do holocausto. Desde então, os palestinos têm de sustentar uma guerra desigual contra um exército superarmado pelo império dos Estados Unidos.
O representante da Palestina, Yousef Habash, fez um relato dramático durante os debates, destacando o massacre de crianças e mulheres na última investida contra a Faixa de Gaza. Defendeu, claro, o direito de seu povo à resistência armada, assunto que gerou uma extensa discussão. A maioria dos debatedores expressou-se claramente em favor da resistência armada, quando falta o espaço para a palavra. Foi lembrada a famosa constatação, segundo a qual, "a guerra é a continuação da política por outros meios" (não sei o autor).
Não cabe, portanto, chamar de terrorista a quem apela para as armas para defender sua nação. Até individualmente, matar em defesa da própria vida é justificável. O problema, no caso dos palestinos e de outros – argumentaram – não é reconhecer o direito ou não ao uso de armas, tal direito está patente. O caso são as condições para isso, a necessidade de se evitar os massacres, o genocídio, as tragédias.
Arnau Flores, da Catalunha
O problema de começar a falar dos palestinos é ter de parar. Vamos em frente, ainda neste tema geral. Os curdos (Curdistão) são hoje a maior população entre as nações oprimidas, sem Estado próprio. São 40 milhões de pessoas que vivem em territórios de quatro países: Turquia, Irã, Iraque e Síria, conforme informou Arnau Flores, um catalão que atendia aos visitantes no estande do Ciemen.
Há a situação dos povos indígenas dos Andes, na América Latina, que são maioria entre os habitantes da Bolívia e Equador e têm forte presença no Peru, México e Chile. Ainda os aborígenas australianos. Na América Latina, há também os casos da Guiana Francesa e das ilhas caribenhas Guadalupe e Martinica (restos da colonização francesa). Porto Rico é outra ilha do Caribe que faz parte dos Estados Unidos. Há ainda vários casos, como o Tibet (China), Chechênia (Rússia), Escócia (Reino Unido), a situação especialíssima dos ciganos, povo nômade espalhado pelo mundo, etc, etc, etc.
Carnaval da Bahia?
Bom, chega de "assunto sério"? Pois bem. Por volta das 15 horas deste sábado, deixo a tenda do Espaço pelos Direitos Coletivos dos Povos, com a cabeça cheia dessas discussões, a maioria falando espanhol e inglês (havia tradução simultânea), e tomo a via interna do campus da UFRA, onde parece que tudo acontece, em meio a um imenso acampamento, ambulantes, indígenas, figuras exóticas, gringos, negros, carros de bombeiros, ambulâncias, bicicletas.
Um baiano vivendo por aqui já tinha me dito. "Ás vezes quando estou no Fórum me sinto como se estivesse no carnaval da Bahia". Verdade. Faltam o barulho infernal dos trios e a chatice do axé-music, além, claro, da violência. E há o fato de milhares de pessoas pelas diversas tendas debatendo a busca de caminhos para uma vida melhor, sem as mazelas do capitalismo. Mas que parece, parece.
Ia eu, dizia, pela pista interna do campus, bebendo um suco de cupuaçu... e topo com uma moça seminua, sentada junto de cartazes, cercada de curiosos. Numa faixa, "fuckforforest.com", que, no meu inglês limitado, pensei que estavam mandando a floresta pra porra. Mas não, é "fazer sexo pela floresta, em favor da floresta". Outra: "Saving the planet is sexy" (Salvar o planeta é sexy). Me explicaram que é uma campanha pelo reflorestamento. Não entendi bem. Quem quiser saber mais, entre na Internet.
Quando resolvo ir para o campus da UFPA, onde está a Casa da Comunicação (esquema à disposição dos jornalistas) – ainda tinha que almoçar -, me deparo com a Marcha da Maconha. Muita animação, com palavras de ordem em favor da legalização da droga, inclusive apelos ao presidente Lula. Durante o desfile, dentro do próprio campus, foi recomendado, segundo os organizadores, que os participantes não fumassem.
Um pouco mais cedo, houve também uma turma muito simpática que circulou pela mesma pista, ostentando o cartaz Abraço Grátis e, óbvio, patrocinando um festival de amigável confraternização. Quando estava almoçando numa barraquinha em frente à entrada da UFPA, ainda me apareceu uma novidade, umas mil pessoas participavam de uma corrida, uma maratona pela Avenida Perimetral. Não tive disposição de tirar a máquina para fotografar. Fico devendo esta.
Nações sem estado
É a primeira vez que o FSM, agora na sua nona edição, tem um espaço específico para a luta dos povos por sua autodeterminação. Foi o tema que mais me atraiu (ver matéria anterior sobre o povo Mapuche, do Chile, pegando o gancho da nova Constituição da Bolívia). Me concentrei um pouco nele, pois o Fórum abarca uma gama imensa de assuntos e a gente fica meio perdido, ainda mais levando em conta o calor e a chuva nesta época, além das distâncias dentro dos dois campi das universidades federais do Pará (UFPA) e Rural da Amazônia (UFRA).
O organizador da iniciativa foi o Centro Internacional Escarré para as Minorias Étnicas e as Nações (Ciemen), da Catalunha, um dos mais de 30 povos listados como sem Estado. Quer dizer, são nações, povos, com sua língua, história, território, cultura, costumes, etc, etc, que não estão organizados em Estado. Muitos lutam pela emancipação política, pela independência, ou por direitos coletivos, em uns casos mais amplos, em outros mais limitados, cada um dentro de determinada realidade.
Os da Catalunha, por exemplo, são um dos três povos que vivem tal situação na Espanha. Os outros são os bascos e os galegos (País Basco e Galícia). No território hoje da França há cinco situações semelhantes: além de parte dos catalões e bascos, há ainda a Córsega, Bretanha e Occitània (nome francês, não sei como é em português).
A tragédia dos palestinos
O mais conhecido caso é a Palestina, na mídia todos os dias devido à constante agressão israelense। Os palestinos tiveram seu território usurpado em 1948 para a criação do Estado de Israel, cujo povo, espalhado por todo o mundo, vinha da tragédia do holocausto. Desde então, os palestinos têm de sustentar uma guerra desigual contra um exército superarmado pelo império dos Estados Unidos.
Marta Rovira (Catalunha), Oier Imaz (País Basco) e Yousef Habash (Palestina)
O representante da Palestina, Yousef Habash, fez um relato dramático durante os debates, destacando o massacre de crianças e mulheres na última investida contra a Faixa de Gaza. Defendeu, claro, o direito de seu povo à resistência armada, assunto que gerou uma extensa discussão. A maioria dos debatedores expressou-se claramente em favor da resistência armada, quando falta o espaço para a palavra. Foi lembrada a famosa constatação, segundo a qual, "a guerra é a continuação da política por outros meios" (não sei o autor).
Não cabe, portanto, chamar de terrorista a quem apela para as armas para defender sua nação. Até individualmente, matar em defesa da própria vida é justificável. O problema, no caso dos palestinos e de outros – argumentaram – não é reconhecer o direito ou não ao uso de armas, tal direito está patente. O caso são as condições para isso, a necessidade de se evitar os massacres, o genocídio, as tragédias.
Arnau Flores, da Catalunha
O problema de começar a falar dos palestinos é ter de parar. Vamos em frente, ainda neste tema geral. Os curdos (Curdistão) são hoje a maior população entre as nações oprimidas, sem Estado próprio. São 40 milhões de pessoas que vivem em territórios de quatro países: Turquia, Irã, Iraque e Síria, conforme informou Arnau Flores, um catalão que atendia aos visitantes no estande do Ciemen.
Há a situação dos povos indígenas dos Andes, na América Latina, que são maioria entre os habitantes da Bolívia e Equador e têm forte presença no Peru, México e Chile. Ainda os aborígenas australianos. Na América Latina, há também os casos da Guiana Francesa e das ilhas caribenhas Guadalupe e Martinica (restos da colonização francesa). Porto Rico é outra ilha do Caribe que faz parte dos Estados Unidos. Há ainda vários casos, como o Tibet (China), Chechênia (Rússia), Escócia (Reino Unido), a situação especialíssima dos ciganos, povo nômade espalhado pelo mundo, etc, etc, etc.
Carnaval da Bahia?
Bom, chega de "assunto sério"? Pois bem. Por volta das 15 horas deste sábado, deixo a tenda do Espaço pelos Direitos Coletivos dos Povos, com a cabeça cheia dessas discussões, a maioria falando espanhol e inglês (havia tradução simultânea), e tomo a via interna do campus da UFRA, onde parece que tudo acontece, em meio a um imenso acampamento, ambulantes, indígenas, figuras exóticas, gringos, negros, carros de bombeiros, ambulâncias, bicicletas.
Um baiano vivendo por aqui já tinha me dito. "Ás vezes quando estou no Fórum me sinto como se estivesse no carnaval da Bahia". Verdade. Faltam o barulho infernal dos trios e a chatice do axé-music, além, claro, da violência. E há o fato de milhares de pessoas pelas diversas tendas debatendo a busca de caminhos para uma vida melhor, sem as mazelas do capitalismo. Mas que parece, parece.
Ia eu, dizia, pela pista interna do campus, bebendo um suco de cupuaçu... e topo com uma moça seminua, sentada junto de cartazes, cercada de curiosos. Numa faixa, "fuckforforest.com", que, no meu inglês limitado, pensei que estavam mandando a floresta pra porra. Mas não, é "fazer sexo pela floresta, em favor da floresta". Outra: "Saving the planet is sexy" (Salvar o planeta é sexy). Me explicaram que é uma campanha pelo reflorestamento. Não entendi bem. Quem quiser saber mais, entre na Internet.
Quando resolvo ir para o campus da UFPA, onde está a Casa da Comunicação (esquema à disposição dos jornalistas) – ainda tinha que almoçar -, me deparo com a Marcha da Maconha. Muita animação, com palavras de ordem em favor da legalização da droga, inclusive apelos ao presidente Lula. Durante o desfile, dentro do próprio campus, foi recomendado, segundo os organizadores, que os participantes não fumassem.
Um pouco mais cedo, houve também uma turma muito simpática que circulou pela mesma pista, ostentando o cartaz Abraço Grátis e, óbvio, patrocinando um festival de amigável confraternização. Quando estava almoçando numa barraquinha em frente à entrada da UFPA, ainda me apareceu uma novidade, umas mil pessoas participavam de uma corrida, uma maratona pela Avenida Perimetral. Não tive disposição de tirar a máquina para fotografar. Fico devendo esta.
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Fabiano