Talvez, talvez, talvez...

A uma mulher, uma espera, uma esperança)

Este sábado, dia 27, poderia ser menos chato, luminoso até, mesmo com esta chuva que não pára, própria do inverno chuvoso dos trópicos amazonenses। Mas a pauta furou, como dizem os jornalistas, e as coisas acontecidas fizeram água no meu navio, imaginado um Titanic antes do naufrágio.Quem nunca teve um dia assim?

Talvez se eu fosse mais perspicaz diante dos problemas do mundo, com os negócios, o amor e a saúde - como alardeia a Madame Valda, mestre do tarô, nos postes da cidade de Manaus - não estaria aqui, na Choparia São Marcos, sozinho, enchendo a cara de vodca e masturbando
elocubrações intimistas impublicáveis.

Talvez se eu seguisse os sábios conselhos de minha mãe, andar com gente mais bem situada - "meu filho, com esses trajes você não vai conseguir nada na vida", me dizia, bondosamente। Tão sábia que, semi-alfabetizada, topava discussão até com deputado। "É preciso aprender a fazer política", decretou, e o então deputado Sá Teles, grande educador baiano: "Talvez não seja o caso de aprendizagem..." Se eu tivesse bebido mais em sua sabedoria, estaria trilhando outros caminhos e certamente desfrutando outras paragens।

Talvez se eu tivesse construído uma próspera família tradicional, como sonhava minha mãe, estaria agora nas festas de Natal e Ano Novo ocupado na compra de presentes para os netos e, portanto, não estaria aqui, conversando comigo mesmo, em viagem por terras estranhas, com sede de viver vidas novas neste resto mocidade.

Talvez se o acaso me tivesse empurrado a uma carreira mais promissora – auditor fiscal ou executivo de banco estatal ou do Pólo Petroquímico -, provavelmente eu teria coisas mais rentáveis a cuidar e não dedicaria tanto tempo às mesas de botecos (mas meu irmão Stimison, missionário do bem e consertador de tortos imitando Don Quixote, me garante que não há acaso).

Talvez se eu fosse corintiano, estaria nesta época enlevado diante da perspectiva da estréia do Fenômeno, o craque fenomenal, enojado daquela piadinha manjada da "contratação de peso" e, então, teria o espírito tomado por ilusões mais prazerosas (trata-se apenas de marqueting?) e não me quedaria aqui choramingando soluços solitários.

Talvez se eu acompanhasse melhor as maldades de Flora e a via crucis de Donatela ou as vicissitudes do "peãozinho de merda" no afã de redimir sua capação através da ponta da azagaia, na fantasia do Pantanal mato-grossense, não me sobraria energia para exacerbações existenciais que podem escorregar facilmente para a melancolia.

Talvez se os encontros prevalecessem mais na vida, em detrimento dos desencontros, como gostaria o poeta Vinicius, seguramente eu não estaria aqui sozinho, numa mesa do meu bar predileto no centro de Manaus, tomando a saideira e comendo um PF। Estaríamos curtindo um sábado radioso, apesar do céu cor de chumbo।

Talvez, talvez, talvez... Tenho que me safar desta, embora me tenha nascido um precipício insondável. E não sou nenhum Indiana Jones. É uma merda!

Comentários

Anônimo disse…
Estás perdiendo el tiempo
pensando, pensando
por lo que mas tu quieras
hasta cuando, hasta cuando

Y así pasan los días
y yo, desesperando
y tu, tu contestando
quizás, quizás, quizás



Companheiro, desconhecia esta tua veia poética e confesso que gostei muito, mas muito mesmo do que li.

Felizmente você não seguiu a maioria dos conselhos que te deram e o resultado foi este grande amigo que temos (imitando chumbinho e mandando ir pra porra).

Quanto a ter ficado sozinho... Volta logo companheiro!
Anônimo disse…
Caro amigo, passado "as festas" de final de ano, é que fui ler o teu desabafo - é o periodo mais melancólico que existe no calendário - e as boas lembranças. Será que não está melhor assim, livre e sem compromisso com as formalidades e obrigações do que é imposto, pela sociedade consumista e individualista?
Um grande abraço, saudades!
Jadson disse…
Edelson, companheiro de antigas batalhas, e Ernandes, companheiro de safra mais recente, prazer imenso tê-los compartilhando esses momentos de melancolia nesta terra tropical. Apesar dos pesares, vamos em frente, hasta la victoria, siempre!