Proibição de Os Simpsons e matriz de opinião (1)


A “notícia” sobre a suposta proibição da série estadunidense Os Simpsons, determinada pelo governo da Venezuela, correu o mundo em meados do mês de abril. Conforme registra Javier Adler, em Kaosenlared.net, na Internet apareceram matérias com títulos como

“Venezuela não verá mais Os Simpsons”,
“Chávez censurou Os Simpsons”,

“Chávez 'estrangula' Os Simpsons”,
“Hugo Chávez ataca até os desenhos animados”,

Adler anota também títulos da imprensa espanhola considerada “séria”:

“Os Simpsons, proibidos para crianças na Venezuela” (jornal El País),
“O governo venezuelano proíbe a emissão de Os Simpsons e em seu lugar passará Os Vigilantes da Praia”

(La Vanguardia, que se refere ao nome em espanhol da série Baywatch, também norte-americana, que a TV Globo apresentou no Brasil, às 17 horas, com o nome SOS Malibu),

“Os Vigilantes da Praia, mais educativos que Os Simpsons” (El Mundo).

O que teria acontecido realmente? Qual seria a notícia? Pura e simplesmente, a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), órgão encarregado do setor, determinou à Televen, emissora de TV privada que transmite a série, que mudasse o horário do programa, fora do período considerado apropriado para crianças e adolescentes (entre as 7 e 19 horas), em atendimento a reclamações de telespectadores. (Uma orientação comum adotada pelos países ditos civilizados, como o Brasil, por exemplo). A série ia ao ar às 11 horas da manhã. A Televen a substituiu por Os Vigilantes da Praia (Baywatch) e logo depois passou a exibi-la às 19 horas.

Se isso houvesse ocorrido em outro país “normal” (como certamente ocorre), não seria nem notícia. Mas na Venezuela de Hugo Chávez... tudo vira um Deus nos acuda! Por que? Porque a Venezuela lidera hoje um processo de integração soberana dos povos da América Latina, com a perspectiva do socialismo como alternativa ao capitalismo. (Além do olho grande nas imensas reservas de petróleo). E isso bate de frente com os interesses de um inimigo poderoso, o império estadunidense, que necessita, a todo custo, desqualificar o principal líder de tal processo. Então, utiliza, dentre suas ferramentas, uma poderosíssima: a manipulação da informação. E para que a coisa funcione bem, os laboratórios da “inteligência” dos Estados Unidos (a CIA e seus tentáculos nos meios de comunicação) fabricam o que se chama “matriz de opinião”

No Brasil, o terror contra o MST
(Foto de Rodrigo Valente -Correio da Cidadania)


O que é isso? Emissoras de rádio e TV e jornais batem quase todos os dias numa mesma tecla e aquela “informação”, sempre repetida, com um mesmo viés, termina se transformando num senso comum na cabeça das pessoas. Então, acabam acreditando na “notícia”: Hugo Chávez proibiu que os venezuelanos assistam às aventuras de Os Simpsons. Porque já está implantada, na cabeça das pessoas, uma matriz de opinião, segundo a qual o presidente venezuelano é capaz de tudo, aquele ditador, truculento (quiçá um terrorista!), apesar de ter vencido uma dezena de eleições. (Guardadas as proporções, é um processo semelhante ao que a grande imprensa brasileira fez com o MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

Uma vez, discutindo com um amigo, ele me disse: quero ver você defender o MST quando ele invadir e tomar seu apartamento. Invadir e tomar meu apartamento?!).

Não é por acaso que a discussão sobre matriz de opinião, terrorismo midiático e guerra de quarta geração (2) faz parte do dia-a-dia na terra da revolução bolivariana.

Assim, enquanto os venezuelanos continuam a ver as peripécias da família Simpsons, às 19 horas, através da Televen, quantas pessoas pelo mundo têm hoje a falsa informação de que a série está proibida no país? A “notícia” transforma a determinação de mudança de horário em proibição total, evolui para envolver o presidente “despótico” e chega até a insinuar que tem o dedo do governo na troca por Os Vigilantes da Praia, o que seria risível, já que esta tem um conteúdo ideológico muito mais dentro do padrão dos “heróicos estadunidenses”, conforme analisa o professor Fabiano Viana Oliveira (meu ilho).

Los Vigilantes de la Playa (SOS Malibu) - Ele diz que Baywatch mostra o cotidiano de um grupo de salva-vidas nas praias de Malibu (Los Angeles), “área nobre cheia de pessoas louras, saradas e ricas”. “O grande chamariz da série – avalia - sempre foram os heróis (homens e mulheres) correndo em câmera lenta de short ou maiô vermelhos pela praia. As histórias tendem a ser bobas, e vez por outra abordam problemas sérios, como drogas, alcoolismo, etc, com tom moralista”.

Quanto aos Simpsons, os temas são basicamente ironia com os padrões familiares e valores sociais dos estadunidenses. Fabiano diz que eles abusam dos estereótipos quando se trata de estrangeiros, mas normalmente se interpreta isso como uma crítica ao modo como as pessoas de lá tendem a ver todos os outros como estereótipos: japonês assim, francês assado... Fala-se de poluição ao meio ambiente, de magnatas desalmados que soltam cachorros sobre mendigos, etc. “O chefe da família (Homer) está sempre bebendo e mentindo para a esposa. Bart, o filho, é um sujeito cheio de crueldades e artimanhas. Porém, é claro, no final a família fica sempre junta e se perdoa para o próximo episódio”, comenta o professor.


(1) “Para se gerar uma matriz de opinião, deve-se comunicar massivamente todos os dias e em todos os jornais, emissoras de rádio e TV possíveis, de uma determinada comunidade, uma idéia ou um pensamento específico (não importa que seja uma simples conjectura ou especulação), com o tom e da forma conveniente para que as pessoas de tal comunidade, ao serem bombardeadas incessantemente pelos meios de comunicação, acreditem firmemente até ao ponto de nem sequer perguntar-se se será certo ou não” - professor Oscar González (http://www.aporrea.org/).

(2) Neste blog há alguns artigos opinativos e matérias sobre tais temas, que envolvem sempre a manipulação deliberada da informação. Veja

Escutando Noam Chomsky

O fato pouco importa, importante é a versão

Paraguai: pendência histórica
Imprensa alternativa/comunitária
Papel das rádios e Tv's comunitárias

A peste da cultura contemporânea

A voz dos patrões e do “mercado”

OEA pode analisar imprensa brasileira

Comentários

Ernandes Santos disse…
Aqui tá rolando Os Simpsons no programa da Xuxa e a maioria dos guris que eu vejo assistindo ao desenho fica voando ou interpretando mal as ironias feitas pelos personagens. É comum aqui na terra de Pedro Álvares exibirem desenhos destinados a adultos (ou quase adultos)para os niños, como é o caso de alguns desenhos japoneses. Proibiram aqui no Brasil um episódio dos Simpsons, por mostrarem uma imagem estereotipada e preconceituosa do país. Sou mais os peitões da Pamela Anderson.

Ernandes Santos
Ernandes Santos disse…
Quando tiver um tempo, mate a saudade de Seabra e de Cuba neste endereço http://www.flickr.com/photos/namanha/e deixe seu comentário

Ernandes Santos
Anônimo disse…
Jadson, cheguei aqui depois de ler sua carta na Caros Amigos desde mê e quero dizer que a grande mídia é uma das maiores vergonhas da humanidade. A forma como manipulam informações às vezes é gritante e mesmo assim muita gente insiste em ignorar o fato. Em minha cidade, quando olho a população e as atitudes que têm, sinceramente fico desolado e penso que não há salvação para essa gente. Mas não é sobre isso que quero dissertar.
Quero dizer que Os Simpsons é uma série que realmente deveria ter seu horário alterado. Não se trata de uma série infantil. Infelizmente impera uma idéia de que desenho é coisa de criança e muito disso se dá pela influência que a Disney possui sobre nós. Também quero dizer que muitas das produções da Disney são admiráveis do ponto de vista da qualidade e da criatividade, mas não se pode ignorar que há muita ideologia por trás das produções.
Há uma verdade que diz: a obra é sempre maior que o artista. No caso da Disney também. Mas uma coisa não invalida a outra; são coisas separadas.
Mas voltando a'Os Simpsons, é uma série que realmente não foi feita para o público infantil. A mudança de horário é mais que bem vinda. No Brasil, acredito que o mesmo deveria acontecer, mas duvido que aconteça. Enquanto a população não se der conta que o desenho não é para crianças e que se trata de uma dura crítica à sociedade estadunidense (e mundial) e não apenas um aglomerado de piadas, nada irá mudar. No Brasil Os Simpsons podem ser assistidos a qualquer hora e por qualquer pessoa, pois ninguém sabe o que está assistindo mesmo.