Celebrando a vida


Domingo de Ressurreição de Cristo (ou Domingo de Páscoa?). O visitante brasileiro passeia por Baruta, um dos cinco municípios que integram a cidade de Caracas. Na rua principal, rumando à praça central, uma procissão. Uma procissão? As pessoas dançam (bailam, como dizem aqui) e as quatro imagens carregadas nos respectivos andores dançam também ao ritmo de dobrados religiosos e marchinhas (diria meio carnavalescas). São em torno de mil fiéis (na pequena praça onde pontua a estátua de Simón Bolívar, o Libertador, este número duplica). Os caraqueños seguem o desfile, muitos balançando-se alegremente, enquanto os muchachos que carregam os quatro andores afinam os passos do bailado. As imagens, tendo à frente o Cristo Ressucitado, sacodem-se no alto, como que liberando o júbilo popular. Já na praça, um casal dança (será salsa, a tradição caribenha?) junto aos andores e uma jovem baila sozinha a dois metros da porta aberta da igreja de Nossa Senhora do Rosário. O padre Luis Guillermo dirige o ato através de serviço de som.

- Padre, por favor, sou um jornalista brasileiro e gostaria de saber sobre a procissão, as pessoas e as imagens bailando. Em minha terra, Brasil, não há isso nos desfiles da igreja católica, e se celebram mais o sacrifício e a morte de Jesus na Sexta-Feira da Paixão.
- Este ato significa a celebração da Ressurreição de Jesus Cristo, a alegria dos cristãos pela vitória, é essencialmente uma exaltação à vida, disse o pároco.
- Este tipo de comemoração é comum em toda Venezuela nas comunidades católicas?
- Não, em Caracas só existe esta paróquia com a imagem de Cristo Ressucitado. Ela chegou aqui há 11 anos, eu estou aqui há quatro anos, já encontrei esta orientação. Mas em outros estados do país (existem 23 estados em Venezuela, além do Distrito Capital) há também este tipo de celebração, explicou padre Guillermo em meio aos cumprimentos dos fiéis, enquanto se encaminhava à sua igreja.

O brasileiro recordou-se do padre Renzo, italiano de saudosa memória por seu trabalho humanístico, empreendido a partir da Bahia, em defesa dos presos políticos durante a ditadura militar no Brasil. Ele conta, de acordo com As Asas Invisíveis do Padre Renzo, livro do companheiro Emiliano José, que logo de sua chegada a Salvador percebeu, com surpresa, que os católicos baianos celebravam a crucificação de Cristo e não a sua ressurreição. Isto é, festejavam a morte, em detrimento da vida. Lembrava que em sua terra, Itália, era diferente. Um detalhe que talvez explicasse muito da resignação dos brasileiros ao sofrimento, à opressão.
(Gratidão eterna ao padre Renzo e ao seu amigo e conterrâneo padre Paulo, da Fazenda Grande, pelo muito que fizeram em benefício do povo pobre da Bahia).

Judas – A queima do Judas, o apóstolo traidor que entregou seu Mestre aos opressores a serviço do império romano, é realizada também no domingo, e não no sábado de aleluia como no Brasil. Ontem as ruas de Baruta estavam cheias de meninos e jovens que pediam uma moeda como colaboração para a festa, exibindo em muitos pontos os bonecos característicos. Com exceção do dia, tudo mais parece muito igual, inclusive o hábito de identificar o Judas com autoridades e políticos que traíram a confiança popular. Em uma comunidade de Caracas, chamada El Cementerio, cuja queima, segundo a imprensa local, constitui-se uma tradição de 67 anos na paróquia Santa Rosalía, o boneco queimado neste ano representou “Mister ExxonMobil”, a transnacional estadounidense que acabou de perder uma ação judicial contra a petroleira venezuelana Pdvsa.

(Faltaram as fotos, a fotógrafa “contratada” pelo blog ainda está em trânsito)

Comentários

Carol disse…
Amei esse texto Jadson. O repórter brasileiro ganhou as ruas de Caracas com muito estilo. Vá nessa companheiro!Calma que a fotógrafa está chegando.
Franciel disse…
Companjeiro,
uma nota triste para você que está aí celebrando a vida: seu companheiro Sérgio de Souza morreu hoje pela manhã em consequência de complicações pulmonares.
Léa disse…
Companheiro, gostei muito dessa matéria, como vc comenta até parece que agente tá vendo o acontecido.
Olha a fotógrafa já esta a caminho, fomos levá-la ao aeroporto hoje. Espero ver muitas fotos brevemente.
Vc esta fazendo muita falta.
Temos muita saudade.

Beijo, Léa.