EM BRASÍLIA, CENTRO DO PODER POLÍTICO, RODA DE SAMBA REIVINDICA 'DITADURA NUNCA MAIS'

José Cruz / ABr
(Foto: José Cruz/ABr)

Militantes pediram punição aos torturadores, implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, reforma política e democratização dos meios de comunicação.


Por Najla Passos, no portal Carta Maior, de 02/04/2015

Um protesto inusitado marcou a noite desta quarta, 1º de abril, data dos 51 anos do golpe militar que lançou o Brasil na sua mais longa ditadura. Em Brasília, na Praça dos Três Poderes, militantes de diferentes grupos, idades e perfis se reuniram para cantar samba, relembrar a página mais infeliz da história brasileira e reivindicar o aprofundamento da democracia, com reforma política e democratização dos meios de comunicação.
 
O protesto, batizado de “Samba de Resistência: Ditadura Nunca Mais, por Justiça, Verdade e Memória”, reuniu 300, talvez 500 pessoas. Elas portavam cartazes que também cobravam o fim da tortura nos presídios brasileiros, a punição dos culpados pelas mortes, torturas e desaparecimentos forçados da ditadura e a implementação das recomendações contidas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, publicado no final do ano passado.
 
Na estrutura de concreto ao centro da praça, projeções de fotos históricas registravam a memória do regime para que o Brasil jamais se esqueça, para que jamais aconteça.  No lado direito, via-se o Palácio do Planalto, onde os militares governavam por meio de instrumentos jurídicos ilegítimos, como o Ato Institucional nº 5, o mais rigoroso deles, que instituiu a censura prévia e calou o Congresso Nacional, este visto ao fundo da roda de samba. À esquerda, o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), que assistiu calado ao desrespeito à democracia.
 
Mas os militantes portavam também instrumentos de corda e percussão. No repertório de protesto que se fez ouvir no centro do poder político do país, constavam os sambas de resistência que marcaram o período. Muitos deles que, alterados ou calados pela censura do regime, só puderam se fazer conhecidos em suas versões originais muitos anos depois.
 
“Hoje você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão”, cantaram os manifestantes, lembrando “Apesar de Você”, o hino de esperança por tempos melhores que Chico Buarque cunhou durante os anos de chumbo. E eles se emocionaram com “Samba de Orly”, “Vai passar” e “Roda Viva “, outros fortes retratos da época, do mesmo autor.
 
A roda de samba também resgatou a música tema do show que se notabilizou como o símbolo da contestação à ditadura: “Opinião”, o musical lançado em 1964, dirigido por Augusto Boal e estrelado por Nara Leão, seguida de Maria Bethânia, que imortalizaram os sambas de protesto de Zé Kéti e João do Vale, marcando o fim da feliz era da bossa nova.
 
Houve homenagem até mesmo à ativista política argentina Mercedes Sosa, que fez fama internacional ao denunciar, com sua música, a ditadura não só do seu país como a dos seus vizinhos latino-americanos, integrados no terror de prisões ilegais, torturas em massa e desaparecimentos forçados, por meio da Operação Condor: “Cantando al sol, como la cigarra, después de un año bajo la tierra, igual que sobreviviente que vuelve de la guerra”.
 
A lua ia alta no céu quando as vozes se calaram na praça. Mas, dessa vez, não porque um militar, ilegalmente instalado no gabinete presidencial a poucos metros dali, tivesse assim ordenado. Mas sim porque os militantes que promoveram o ato pacífico e democrático julgaram que o recado estava dado, que a missão estava cumprida.
 
Em tempos de ofensiva conservadora, quando alguns saem às ruas para pedir nova intervenção militar e a volta da ditadura, eles avaliavam que já haviam dado voz aos milhões de brasileiros que prezam a democracia e, mais do que isso, ainda lutam por aprofundá-la.

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